"Cade começa hoje a julgar fusão, sob ameaça da Brasil Foods de ir à Justiça
O julgamento sobre a fusão da Sadia com a Perdigão, que resultou na criação da BRF -Brasil Foods em 2009, começa hoje em clima desfavorável às empresas, pelo menos sob a ótica das autoridades. A forma como a companhia conduziu a defesa do negócio é considerada "desastrosa". Ao afirmar que não admite vender uma das suas duas marcas principais - Perdigão e Sadia - e que irá à Justiça caso essa seja a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a BRF colocou em segundo plano sua estratégia de defesa no caso. De acordo com especialistas, ao pressionar os conselheiros do órgão, ameaçando recorrer ao Judiciário, a empresa pode ter dado um motivo a mais para ter seus interesses contrariados no julgamento de hoje. Além disso, observam, a opção de ir à Justiça não tem sido um bom caminho para as empresas que tentam resolver questões de concorrência fora do Cade.
- O Cade tem um índice de 83% de êxito nos processos que vão ao Judiciário - diz um consultor.
Sadia e Perdigão, porém, podem ganhar tempo se o Cade atender, na abertura da sessão, ao pedido de vista do processo encaminhado sexta-feira passada pelo Ministério Público Federal.
Coordenada por Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, ex-secretário de Direito Econômico e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, junto com renomados escritórios de advocacia (como o Barbosa, Müssnich & Aragão), a defesa da BRF apresentou aos conselheiros do Cade nas últimas semanas um pacote de marcas e ativos que a empresa estaria disposta a vender.
Empresas recusam venda de marcas
Segundo uma fonte próxima ao processo, a proposta se aproximaria à "alternativa B" do parecer da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda, sobre o caso. A Seae sugeriu a venda das marcas Batavo, Doriana, Claybom, Delicata, Rezende, Confiança, Wilson e Escolha Saudável, além de outros ativos, para compensar a manutenção das marcas principais em seu portfólio. A proposta, porém, não incluía todas as marcas sugeridas pela Seae, como a Batavo, por exemplo, que foi deixada de fora.
- Fizemos uma proposta, de vender um pacote de marcas e alguns ativos. Mas não teve retorno formal de nenhum deles, por isso, não houve mudança no que propusemos - disse a fonte.
O silêncio dos conselheiros em relação à proposta da BRF, para os especialistas, é um mau sinal para os interesses da empresa.
- Se não estão negociando é porque a proposta não foi aceita - diz uma fonte.
Fontes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) ouvidas pelo GLOBO dizem que Sadia e Perdigão foram irredutíveis nesses dois anos de processo, pressionaram pela aprovação da operação sem restrições e usaram táticas para tentar forçar a anuência ao negócio, por exemplo inundando as áreas técnicas com estudos e avaliações. Elas traziam informação demais com substância de menos e atrasaram os trabalhos por pelo menos um ano.
Sadia e Perdigão também pecaram porque fincaram o pé de que as duas marcas principais não são concorrentes. Porém, a concentração de mercado das duas empresas fica entre 60% e 90%, dependendo do segmento. Somente agora, "aos 48 minutos do segundo tempo", diz uma fonte, Sadia e Perdigão mostraram interesse em fazer um acordo que, para parte dos técnicos, seria também insuficiente.
A ótica principal do Cade no julgamento será o impacto que o negócio terá para os consumidores. A questão econômica, das vantagens e desvantagens de se criar uma gigante do setor de alimentos, também será levada em consideração, mas não deve ter a força dos aspectos voltados ao dia a dia da população. Dentro do governo, a fusão é considerada um processo muito mais sensível do que as uniões de Brahma e Antarctica (AmBev) e Garoto e Nestlé.
- Se um processo desse aumenta o preço da cerveja ou do chocolate não é tão grave quanto aumentar os preços dos alimentos. Pode ser um tiro na classe C e D - afirmou ao GLOBO uma fonte próxima ao assunto.
- Esse caso lá fora certamente seria vetado - diz um especialista no assunto.
A disposição das autoridades da concorrência já foi medida em duas ocasiões. A primeira quando foi divulgado o parecer da Seae, com aval da Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça. O documento sugeria fortes restrições à operação, como o licenciamento de uma das marcas (Sadia ou Perdigão) por cinco anos.
Procurador pede tempo para análise
O entendimento da Procuradoria do Cade, que também elabora um parecer antes do julgamento no plenário do Cade, foi ainda mais duro: uma das sugestões é de que uma das marcas principais fosse vendida.
Apesar do julgamento já agendado, a BRF poderá ganhar mais fôlego para tentar convencer os conselheiros do Cade de que a fusão é um bom negócio. Isso porque representantes do MPF na autarquia, procurador Luiz Augusto Santos Lima, solicitou na semana passada pedido de vista do processo, surpreendendo o próprio Cade, já que não é praxe esse tipo de ação.
De acordo com o MPF, não houve uma justificativa pontual para o pedido, mas que seria necessário por se tratar de um "caso complexo". O procurador quer mais tempo parar analisar os autos, alegando que ainda não o havia recebido, apesar de ter tido a liberdade de solicitá-los desde que assumiu o posto no Cade, em novembro do ano passado. O colegiado da autarquia analisará o pedido do MPF hoje, antes do início do julgamento do caso."
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