"A trabalhadora de uma empresa de reciclagem de lixo de Marília foi contratada em 26 de junho de 1992, como escolhedeira (tarefa manual repetitiva na separação do lixo) e foi dispensada em 3 de setembro de 2007. Nos quinze anos em que trabalhou na empresa, chegou a ser promovida a chefe de seção (1º de julho de 2001), porém permaneceu com a atividade de “escolher o material” durante a maioria de sua jornada.
Os anos trabalhados como escolhedeira marcaram o corpo da mulher, que, aos 44 anos, tornou-se portadora de tenossinovite do cabo longo do bíceps, decorrente da exigência de esforço físico permanente e repetitivo na atividade desenvolvida na empresa. Apesar dos exames e atestados médicos a cargo da empregadora, esta “deixou de proporcionar à reclamante condições para o tratamento da moléstia profissional”, afirmou a trabalhadora nos autos.
A ação movida pela “escolhedeira” corre na 2ª Vara do Trabalho de Marília, com pedido de indenização por danos materiais, correspondentes às despesas com o tratamento médico e ao valor do trabalho para o qual ficou inapta (delimitou sua pretensão considerando o valor salarial e o período desde a dispensa até completar 65 anos, fazendo a opção pelo recebimento imediato), além dos danos morais.
A empresa negou a existência de doença profissional ou incapacidade laboral, o nexo causal e a culpa por eventual lesão. A autora lembrou, contudo, que “em maio de 2004 e em janeiro de 2005, os exames periódicos realizados por iniciativa da própria reclamada apontaram risco funcional ergonômico decorrente de movimentos repetitivos”, e, segundo a médica que elaborou o exame demissional da trabalhadora, esta “apresentou restrições para o trabalho”. O exame feito na reclamante ainda destacou “a aptidão ‘com tratamento clínico’ devido a tenossinovite do cabo longo do bíceps”.
O perito judicial, após o exame físico e análise de exames ecográficos e ressonâncias magnéticas especificadas, concluiu que “a reclamante é portadora de lesão por esforços repetitivos (LER), com ruptura do manguito rotador (supraespinhoso), com incapacidade total para o trabalho, a qual somente poderia ser afastada, total ou parcialmente, com cirurgia destinada a refazer o manguito rotador”.
O perito destacou que “a cirurgia pode não obter sucesso, o que configuraria a invalidez permanente” e ressaltou que a trabalhadora “atualmente apresenta comprometimento das atividades habituais, como vestir-se, banhar-se, cozinhar etc.”. O exame pericial ressaltou também que “pela quantidade de lesões na reclamante, as mesmas (sic) surgiram ao longo de anos de trabalho na reclamada, e não em um único movimento intenso sobre o aparelho locomotor”. Nem por isso a empregadora mudou a função da trabalhadora, mas apenas “indicou, pelo médico da empresa, a utilização de munhequeira para punho direito. Para o ombro direito somente a utilização de analgésicos”.
O perito afirmou que “ao permanecer na mesma função, a reclamante manteve a teoria do disco em curso, isto é, entre risco e atividade, risco e lesão, e lesão e incapacidade laborativa. A permanência na mesma função agravou a situação da reclamante”. Com isso, confirmou “o nexo causal entre as lesões no aparelho locomotor e alteração funcional em vários segmentos corporais da reclamante (ombro direito, punho esquerdo e coluna cervical)”.
O perito também revelou que “os problemas no ombro não são exclusividade da reclamante. Outras escolhedeiras da reclamada apresentaram problemas semelhantes, como indicam as CATs (comunicações de acidente de trabalho), o que descarta a tese recursal quanto à ausência de correlação entre a atividade e a eclosão da LER”.
Nos autos, ficou demonstrado que a empresa, após os esclarecimentos do perito, manteve-se silente, deixando de se manifestar, mesmo depois de notificada para tanto. Também não trouxe nenhum argumento ou elemento de prova que pudesse invalidar a avaliação do perito judicial quanto ao quadro clínico, ao nexo causal e à incapacidade para o trabalho.
A relatora do acórdão da 2ª Câmara do TRT, desembargadora Mariane Khayat, entendeu que ficaram demonstrados “o nexo causal e a culpa da reclamada, que, mesmo ciente dos riscos das atividades desenvolvidas, alertada pelos exames médicos, e dos problemas de saúde da reclamante, não alterou a sua função ou promoveu qualquer tipo de readaptação capaz de prevenir a lesão encontrada pelo perito judicial”. Por isso, negando provimento ao apelo da reclamada, e dando provimento parcial ao apelo da reclamante, fixou a indenização por danos materiais em R$ 138.660,40 (70% do valor de R$ 786,01, a última remuneração da reclamante, igual a R$ 550,20, multiplicado por 12 e novamente multiplicado por 21, quantidade de anos entre a dispensa e a data em que a autora faria 65 anos).
Quanto aos danos morais, o juízo de primeiro grau determinou em “50 vezes o valor do último salário da reclamante” e deferiu R$ 26.200. O acórdão considerou o recurso da trabalhadora nesse sentido e reformou a sentença, deferindo R$ 35 mil. A decisão colegiada baseou-se no sofrimento da autora, emergente da lesão verificada, bem como no abalo moral da trabalhadora pela “imposição do labor mesmo com os sintomas da enfermidade, a inegável sensação de depreciação física e psicológica diante da perda da aptidão do membro superior, os reflexos na vida relatados pelo perito, para as tarefas mais elementares (vestir-se, banhar-se, etc.), aliados à impossibilidade de manter uma vida profissional ativa”.
O acórdão também reconheceu “a gravidade da culpa da reclamada, omissa e negligente com a saúde de seus colaboradores, pois exigiu o prosseguimento dos serviços mesmo conhecedora dos riscos ergonômicos”. Por fim, também levou em conta “o porte econômico da reclamada”, bem como a sanção, que “seja suficiente não só para atenuar o sofrimento da vítima, mas também para impingir encargo suficiente para surtir o efeito educativo que dela se espera”. (Processo 0167400-44.2007.5.15.0101)"
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