"Sul21 – A discussão sobre a política de cotas como forma de inclusão social e racial voltou à tona nas últimas semanas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o debate acerca de uma medida provisória que poderia restringir o acesso de estudantes de escolas públicas. O parecer 239 previa que, ao se inscreverem para prestar vestibular na UFRGS, candidatos passassem a escolher entre disputar vagas reservadas para cotistas ou de acesso universal. Após uma ocupação na Reitoria da instituição, essa mudança foi retirada do parecer, mas não sem antes fortalecer o movimento negro e tornar visível a ampla aceitação da comunidade acadêmica ao programa.
O vestibular de 2016 foi o oitavo a contar com a garantia de cotas sociais e raciais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e o quarto desde que 50% das vagas passaram a ser reservadas para cotistas. Com o sistema, a UFRGS tornou-se mais plural, passando a contar com a presença de estudantes indígenas, antes completamente ausentes do espaço acadêmico, e ampliando as possibilidades de acesso para pessoas oriundas de colégios públicos, especialmente as de classes mais baixas, negras e pardas. Com a implantação total da exigência da legislação, a UFRGS recebe, desde 2016, mais de 2.800 estudantes que vêm do sistema público de ensino, por ano.
Oficialmente, a discussão foi iniciada em 2005, o programa de ações afirmativas foi implantado em 2007, quando foi aprovado pelo Conselho Universitário, e começou a valer em 2008. Na época, a reserva de vagas era de 30% e foram 522 alunos cotistas matriculados, dos quais 88 eram autodeclarados negros e nove, indígenas. Em 2012, com a promulgação da Lei 12.711/2012, chamada Lei de Cotas, foi determinado que esse percentual fosse aumentando gradativamente até chegar a 50%, o que foi possível no último processo seletivo.
Os cotistas logo destruíram os mitos de que não seriam capazes de acompanhar as aulas e provaram que a universidade poderia manter ou aumentar sua excelência ao mesmo tempo em que se tornava um espaço mais inclusivo e plural. Funcionárias que trabalhavam na UFRGS à época lembram que o tema enfrentou bastante resistência, vinda de diversas frentes, mas especialmente de cunho racista. "Quando as cotas estavam sendo estudadas, houve manifestações contrárias, pichações e cartazes racistas. Gente que dizia que a universidade ia perder qualidade", lembra Lisiane Ribeiro Correa, servidora da UFRGS há 27 anos. Segundo o Centro de Ações Afirmativas da universidade, não há diferenças significativas entre o desempenho de estudantes cotistas e o dos demais, ao contrário do que muitas pessoas argumentavam na época.
Antes de ingressar como servidora, Lisiane foi estudante da UFRGS, inicialmente do curso de Informática, nos anos 1990, quando recorda que havia pouquíssimos negros na universidade. "Antes, eram apenas os estrangeiros, intercambistas. Quando eu entrei, não tinha negros, inclusive acho que fui a primeira mulher negra no meu curso", recorda. Depois de cursar alguns semestres, trocou de curso para Matemática e, ainda, foi para Ciências Sociais. Mas não concluiu nenhum e, atualmente, cursa Análise e Desenvolvimento de Sistemas no Instituto Federal.
Na época, assim como hoje, havia obstáculos para pessoas oriundas de classes populares conseguirem concluirem o curso: a dificuldade de conseguir conciliar trabalho e estudo, por exemplo. "Quem não tem renda fica prejudicado se tem que trabalhar, porque muitas vezes as aulas não são em um só turno. Quando eu fazia Computação, por exemplo, eu precisava trocar de campus, sair mais cedo do trabalho no campus do Centro para chegar a tempo da aula no Vale", aponta. Atualmente, o filho dela, Matheus, é estudante de Matemática, e os dois conversam sobre questões relativas às aulas, das quais Lisiane ainda se lembra.
Essa dificuldade encontrada por quem precisava trabalhar também é o maior desafio para Geovan de Souza Araújo, que veio do Piauí para Porto Alegre e ingressou na universidade através das cotas. "Na federal de lá, é possível concluir uma engenharia no tempo certo ou em 6 anos, mas aqui não", aponta ele, que cursou Matemática e agora é estudante de Direito. "O curso de Matemática é um verdadeiro suplício para quem é de escola pública. As cotas foram um avanço, mas a universidade estagnou na questão de que as pessoas precisam trabalhar ao mesmo tempo", destaca.
No aguardo de melhorias no ensino público
Um dos argumentos usados por quem se opunha as cotas era de que elas seriam apenas um paliativo diante da necessidade de melhorias no ensino público básico. Isso, porém, nunca foi negado por aqueles que defendem as ações afirmativas e, ao mesmo tempo, esperam que algum dia elas não precisem mais existir. O ex-reitor José Carlos Ferraz Henneman, que implantou a política de cotas na universidade, lembra que quando ele próprio era estudante, nos anos 1960, já se fazia a crítica de que a UFRGS não dava oportunidades para pessoas com condições sócio-econômicas mais baixas..."
Íntegra: RBA
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