"Por unanimidade, a 4.ª Turma do TRF da 1.ª Região recebeu denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra empregador que reduziu seus empregados a condição análoga à de escravo, sujeitando-os a situações degradantes de trabalho. A Turma também determinou o retorno dos autos ao Juízo de origem a fim de que o processo tenha o seu normal prosseguimento.
O MPF recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1.ª Região contra sentença que, no primeiro grau, rejeitou a denúncia apresentada por não verificar, na conduta do empregador, a prática do crime previsto no art. 149 do Código Penal - reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Em suas alegações, o MPF sustenta que, neste caso, “não se trata de mero desrespeito a normas trabalhistas, mas sim às normas que disciplinam a prestação de trabalho acrescido de ofensa à dignidade humana mediante condições degradantes e coisificação do trabalhador”. Segundo o Ministério Público, as condições degradantes de trabalho foram constatadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, havendo farta documentação nos autos, inclusive fotos.
Argumentou também que para a caracterização do tipo penal em apreço é irrelevante a concordância das vítimas com a sua sujeição às condições degradantes de trabalho, ou a sua falta de percepção da violação de seus direitos fundamentais. “Um dos notórios efeitos da degradação humana é justamente a falta de conscientização”, ponderou.
Para a relatora, juíza federal convocada Clemência Almada, o MPF tem razão em seus argumentos. Isso porque, no caso em comento, estão presentes os elementos necessários ao recebimento da denúncia, em razão do preenchimento dos requisitos da existência do fato, indícios suficientes de autoria e, ainda, de um ato considerado pela lei como criminoso.
A magistrada narra que, segundo as provas dos autos, em fiscalização à fazenda do denunciado, no período de 17 a 30 de novembro de 2010, foi constatado que 03 (três) de seus empregados laboravam nas atividades de preparação de cercas e “estavam alojados em um barraco construído dentro da mata, cuja estrutura era formada por cobertura de lona plástica, sem paredes, expondo os trabalhadores aos perigos da presença de animais peçonhentos, silvestres e acometimento de doenças infectocontagiosas transmitidas pelos insetos, com piso de terra batida, com consequente umidade amplificada, constituindo-se em facilitação para acometimento de doença provocada por fungos e reumatológicas, e em condições inadequadas de conservação, asseio e higiene”.
Ainda segundo consta nos autos, o denunciado não disponibilizava aos seus empregados instalações sanitárias, o que os obrigava a fazer suas necessidades fisiológicas no mato, ao relento e sem qualquer resguardo da privacidade. No alojamento, não havia local para o preparo e para o consumo de alimentos, e os empregados preparavam suas refeições em fogueiras improvisadas no chão e as consumiam sentados em troncos de árvores, sustentando pratos e outros utensílios sobre as mãos e as pernas.
O alojamento também não tinha armários individuais para a guarda de objetos pessoais dos trabalhadores, motivos pelo qual seus pertences ficavam expostos sobre tábuas ou pendurados em pontas de caibros.
Por fim, constatou-se que a água consumida pelos trabalhadores vinha de uma cacimba improvisada, apresentando coloração turva e material em suspensão, sem que houvesse comprovação de potabilidade.
“No caso, há de se ressaltar que, de acordo com a denúncia, o empregador, de forma livre e consciente, reduziu seus empregados a condição análoga à de escravo, sujeitando-os a condições degradantes de trabalho”, afirmou a magistrada ao ressaltar que a conduta do denunciado (empregador), à primeira vista, submete-se àquela descrita no art. 149 do Código Penal, “sendo suficiente para configurar em tese o delito de redução de trabalhador à condição análoga à de escravo”."
Fonte: TRF 1ª Região
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