"São Paulo – A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo quer descobrir outros “Boilesen”, ou seja, empresários que tenham colaborado com órgãos de repressão durante a ditadura (1964-1985). Documentos divulgados hoje (18), durante audiência pública na Assembleia Legislativa, podem ajudar na investigação. O dinamarquês Henning Boilesen foi tema de documentário lançado em 2009 por Chaim Litewski, que mostrava a trajetória do então presidente da Ultragaz, morto em 1971 devido à sua colaboração com a ditadura. Os documentos realimentam suspeitas sobre a participação do setor privado e também do consulado dos Estados Unidos em São Paulo.
“A oposição à ditadura sempre disse que havia beneficiamento e ligação de empresários com a repressão. Não estamos falando de financiamento, queremos saber qual foi a participação deles”, afirmou o presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, Ivan Seixas. Na audiência pública, que excedeu a capacidade de 350 pessoas do auditório, foram exibidos registros de entrada e saída, nos anos 1970, de autoridades e visitantes no prédio do Dops, na região central, que hoje abriga o Memorial da Resistência. Ali aparece uma pessoa com frequência constante, Geraldo Rezende (ou Resende) de Matos, identificando-se como “Fiesp”, e do diplomata Claris Halliwell, apontado como cônsul norte-americano no Brasil nos quatro primeiros anos daquela década.
Dos trechos de filmes exibidos no início da audiência, houve destaque justamente para Cidadão Boilesen, que traz depoimentos de agentes da ditadura e militantes, atestando a colaboração de empresários para manter as atividades de repressão. “Muita gente participava”, diz, por exemplo, o coronel Erasmo Dias. O empresário José Mindlin, que não participou do esquema, declara ter sido procurado por Boilesen para ajudar “a salvar a sociedade dos perigos da agitação de esquerda”.
Fiesp e consulado não mandaram representantes. Os depoimentos foram dados por trabalhadores perseguidos durante a ditadura. A Oposição Metalúrgica de São Paulo, que organiza o Projeto Memória, apresentou fichas de operários encaminhadas por empresas ao arquivo do Dops, por serem “grevistas” e/ou “agitadores”, além de cópia de um carta de uma companhia que pedia a um delegado do Dops registros de antecedentes de seus próprios funcionários.
“Sempre trabalhamos com a ideia de que Oban (militares) não falava com Dops (civis). Grossa mentira. Eles não só se entendiam, como se entendiam muito. O que descobrir é qual era essa relação”, diz Ivan Seixas. “Não é da rotina diplomática visitar um aparato repressivo”, afirma a Comissão da Verdade, lembrando que as visitas de Halliwell ao Dops eram rotineiras, e não poucas vezes em horários incomuns – entrada no final da tarde e saída no dia seguinte. O norte-americano, que do Brasil seguiria para o Chile, morreu em 2006. "Queremos saber por qual razão ele ia tanto ao Dops", afirma o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da comissão.
Todos os documentos foram encontrados no Arquivo Público do Estado. O diretor do órgão, Lauro Ávila Pereira, informou que “não por acaso” em 1º de abril, à tarde, haverá uma cerimônia de lançamento de 850 mil imagens do Dops na internet. Pela manhã, a Comissão Nacional da Verdade estará reunida em São Paulo, no mesmo local.
“A perseguição aos companheiros era sistemática, não importando sua competência profissional”, afirmou Waldemar Rossi, da Oposição Metalúrgica. Ele mesmo sofreu 18 demissões em um período de 25 anos. Também não foi autorizado a ver o papa, em 1980, por ser considerado um “comunista contumaz”, conforme lembra. “Havia ligação direta dos empresários com o Dops, com o Doi-Codi”, declarou Rossi.
Para o deputado estadual José Zico, a colaboração entre empresários e militares era “evidente”. Trabalhador rural que se tornou metalúrgico em São Paulo, ele relatou que enfrentou “uma série de desempregos sucessivos” por causa de sua militância. “Entre nós, era comum ficar todo mundo desempregado.”
Entre as centenas de pessoas que foram à audiência, estavam militantes e ativistas históricos, como Clara Charf, Bernardo Kucinski e Margarida Genevois, além do advogado Aton Ton Filho e o procurador da República Marlon Weichert. Durante seu depoimento, Waldemar Rossi fez uma homenagem ao jornalista Dermi Azevedo, cujo filho mais velho, Carlos Alexandre, suicidou-se na madrugada de ontem. Com apenas um ano e oito meses de vida, ele foi preso e torturado, em 1974. “Dermi estava preso comigo, na mesma cela”, recordou."
Fonte: Rede Brasil Atual
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