Valor Econômico - 25/01/2012
Em uma audiência realizada na 17ª Vara Criminal Central de São Paulo, o juiz Fábio Aguiar Munhoz Soares lê a denúncia para o réu. Ele é acusado de ter comandado um assalto em um ônibus no bairro do Jabaquara, na capital, em agosto de 2008. No assalto, ele e mais duas pessoas teriam simulado a existência de armas de fogo embaixo das blusas para roubar os celulares dos passageiros. Depois da denúncia, o réu tenta se defender, alegando que foi preso por engano. Hesitante, diz que era passageiro e que foi detido porque pegou um celular que caiu no chão no exato momento em que a polícia chegou. A argumentação não convence e ele acaba, em uma rápida audiência, condenado a uma pena de sete anos, nove meses e dez dias de reclusão.
Tudo foi filmado, o que tornou a audiência ágil. O juiz não precisou em momento nenhum ditar respostas do réu e de testemunhas ao escrivão. Sessões como essa se tornam cada vez mais comuns no Judiciário. Seguindo o que estabelece a Meta 2 de 2011 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quase a metade dos 91 tribunais do país já começou a adotar câmeras e microfones nas audiências. A meta exige a instalação de pelo menos um projeto-piloto em cada tribunal.
Na 17ª Vara Criminal Central de São Paulo, as audiências começaram a ser filmadas muito antes da determinação do CNJ. Em 2008, o juiz Fábio Aguiar Munhoz Soares gastou R$ 3 mil, do próprio bolso, para adquirir três câmeras, microfones, cabos e uma mesa de som. "Eu perdia muito tempo com as audiências tradicionais, ao ter que ditar as respostas das perguntas a um funcionário", afirma ele, acrescentando que eram normais as interferências de advogados para reclamar do que estava sendo registrado pelo escrivão.
Com a implantação do sistema no fim de 2008, o juiz reduziu o tempo das audiências e passou a realizar um número maior de julgamentos por dia. Para ele, no entanto, a maior vantagem está na qualidade do trabalho. "As imagens falam por si. Há audiências que não podem ser traduzidas em palavras, como casos que envolvem crime sexual, por exemplo", diz. Além disso, segundo ele, as gravações trazem mais segurança porque registram que não houve o cometimento de nenhuma arbitrariedade durante a sessão.
Apesar das vantagens, poucos juízes do maior fórum criminal do país, o da Barra Funda, em São Paulo, utilizam a tecnologia. Dos 120 magistrados que atuam na Corte, cerca de 15 filmam suas audiências. Para Soares, a resistência de alguns desembargadores às gravações pode explicar a baixa adesão. Em vez de ler o resumo de uma audiência, o magistrado de segunda instância é obrigado a assistir toda a sessão, que pode demorar, em alguns casos, cerca de 40 minutos. "Alguns desembargadores chegavam a devolver o processo para a primeira instância para que fosse feita a degravação. Nosso trabalho ficava praticamente perdido", afirma Soares.
O impasse sobre a degravação foi resolvido com a edição da Resolução nº 105, de abril de 2010, pelo CNJ. Para incentivar as audiências criminais filmadas e ao considerar que cada minuto gravado demora em média dez minutos para serem transcritos, a resolução estabelece que funcionários do próprio gabinete do desembargador devem passar para o papel o que está em filme. Isso impede o processo de voltar para a primeira instância.
No Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), o sistema começou a ser implantado há três anos. A Corte é provavelmente a que está mais avançada nesse projeto. Agora, há equipamentos de filmagem em todas varas do Estado, mas fica a critério de cada juiz usá-los ou não. O tempo das audiências caiu para menos da metade. Nos últimos quatro meses, segundo a Divisão de Suporte ao Usuário da Diretoria de Tecnologia da Informação foram registradas mais de 4,5 mil horas de gravação de audiências. Nesse período, 227 varas fizeram uso dos equipamentos.
De acordo com o juiz João Alexandre Dobrowolski Neto, integrante do Grupo de Trabalho do Processo Eletrônico do TJ-SC, há um grande interesse dos juízes pela tecnologia. Eles seguem uma orientação da Corregedoria-Geral de Justiça para que as audiências sejam realizadas preferencialmente por meio de filmagens. O sistema digital desenvolvido permite a inclusão da gravação no processo eletrônico. "Com isso, evitamos que juízes gravem por conta própria, utilizando equipamentos que não estão interligados ao sistema do tribunal", diz.
Para o juiz, as vantagens são nítidas, principalmente em relação ao ganho com produtividade. Agora, o tribunal está investindo na criação de um sistema de conhecimento automático de palavras para a degravação, que depois só seria aperfeiçoada por funcionários. Segundo Neto, o projeto já despertou interesse de alguns representantes dos tribunais de justiça de São Paulo, Acre e Mato Grosso, que visitaram a Corte catarinense interessados em implantar sistemas semelhantes.
Advogados também elogiam a adoção da tecnologia pelos tribunais. "Há anos reclamo da forma pré-histórica de registro das audiências na Justiça do Trabalho", diz Marcos Alencar, da área trabalhista. Segundo ele, todos, sem exceção, passam a ter uma conduta mais técnica e legalista quando sabem que estão sendo gravados. "A filmagem é importante porque as instâncias superiores podem analisar o caso com todos os detalhes.""
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