Maximiliano Nagl Garcez
Advogado em Brasília de trabalhadores e entidades sindicais, com ênfase nos Tribunais Superiores, e consultor em processo legislativo. Diretor para Assuntos Parlamentares da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Ex-Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School. Email: max@advocaciagarcez.adv.br.
1. Da tramitação
Ementa da proposição: “Acrescenta dispositivos à CLT (Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943), dispondo sobre o procedimento conjunto de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho, para possibilitar a homologação de acordo extrajudicial firmado pelos interessados.” Autor: Sandro Mabel (PMDB-GO).
O Projeto foi apresentado em 5.5.2011 pelo Deputado Sandro Mabel, e está sujeito à apreciação conclusiva pela CTASP e pela CCJ (que poderá também discutir o mérito da matéria). Ou seja, se aprovado nas 2 Comissões vai direto ao Senado, exceto se for apresentado um recurso para levar a matéria ao Plenário, com apoio de ao menos 51 deputados.
O Substitutivo do Relator na CTASP, Deputado Luciano Castro (PR-RR), é favorável ao Projeto, contendo apenas mudanças de forma. Em 13.09.11 o Deputado Assis Melo apresentou voto em separado, contrário ao PL e ao Substitutivo.
Dia 30.11.11 iniciou-se a votação na CTASP. Não foi concluída pelo fato do Deputado Assis Melo ter pedido votação nominal e não ter havido quórum suficiente.
A votação do PL 1153 está na pauta da CTASP desta quarta-feira, dia 14.12.2011, às 10h.
2. Conteúdo do Projeto
Trata-se de proposta que autoriza a Justiça do Trabalho a homologar acordos extrajudiciais relativos a litígios oriundos das relações de trabalho. O acordo, uma vez confirmado pelo juiz, teria força de título executivo judicial, o que permitiria a execução do acordo na própria Justiça do Trabalho, em caso de inadimplemento, mas também e principalmente, impediria o ajuizamento de ação trabalhista pelo trabalhador.
O art. 1º. visa principalmente incluir a expressão “e os acordos extrajudiciais” no art. 643 da CLT , que trata das atribuições da Justiça do Trabalho.
O art. 2º. Modifica a alínea a) do art. 652 da CLT, que trata da competências das Varas do Trabalho, incluindo a expressão “homologar”, e inclui o inciso VI, ficando assim:
"Art. 652 - Compete às Varas do Trabalho:
a) homologar, conciliar e julgar: ................................................................. VI – os acordos extrajudiciais, segundo os preceitos contidos na presente Consolidação.” (NR)
O art. 3º. cria o “PROCEDIMENTO CONJUNTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL”. e inclui na CLT o art. 764-A: “Os interessados em prevenirem ou terminarem litígio oriundo da relação de trabalho, mediante concessões mútuas e por transação de direitos, poderão submeter à homologação judicial acordo conjuntamente entabulado, ainda que inclua matéria não posta em juízo.”
Segundo o procedimento contido nos novos arts. 764-B, 764-C, 764-D, o procedimento precisa começar por iniciativa conjunta do trabalhador e empregador, com assistência de seus advogados. Na audiência, o juiz ouvirá apenas trabalhador e empregador (sem testemunhas, sem perícia, sem analisar documentos e provas), e decidirá de imediato (tornando o juiz do trabalho basicamente um carimbador de acordos).
Caso o juiz não queira homologar o acordo (apesar de não ter tido meios adequados para verificar se o acordo é legítimo ou não), as duas partes poderão conjuntamente apresentar recurso para o TRT.
3. Substitutivo do Relator
O Substitutivo não altera o conteúdo da proposição. São modificações formais, com a inclusão de termos mais técnicos e realocação das normas propostas em outro ponto da CLT, sem, no entanto, trazer alterações que garantissem a lisura do procedimento. As mudanças são apenas de forma. As única modificações apresentadas são inócuas e não dão qualquer garantia ao trabalhador:
- a menção de que o juiz decidirá “observando os preceitos e princípios que fundamentam o Direito do Trabalho e que decorrem da natureza e dos objetivos sociais da Justiça do Trabalho”); tal redação não dá qualquer garantia, pois o juiz por óbvio sempre deve seguir tais preceitos. No entanto, quase nada poderá fazer o juiz, pois não terá acesso a documentos, depoimentos, perícias, ou a qualquer outro tipo de prova;
- a possibilidade de rescisão da sentença homologatória do acordo, “mediante a ação pertinente”, que é a ação rescisória, com chance reduzidíssima de êxito no Judiciário.
4. Análise do PL
A justificativa do PL não esconde seus objetivos e sua lógica:
"O artigo 840 do Código Civil Brasileiro dispõe que: “É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões recíprocas." Como vimos, a ferrenha resistência para tais homologações judiciais persiste unicamente na Justiça do Trabalho, em que pese toda a modificação ocorrida nestes últimos tempos no direito material e processual civil, perfeitamente aplicável ao processo do trabalho, a teor do artigo 769 da CLT".
O Deputado Sandro Mabel fundamenta a proposta com dispositivos dos Códigos Civil e Processual Civil. No entanto, há mais de meio século que as relações de emprego contam com um diploma material autônomo, no sentido de tentar equalizar ainda que parcialmente a evidente diferença de forças entre o detentor do capital e o detentor da força de trabalho.
Ao fundamentar o projeto com dispositivos do CC e do CPC, há a desconsideração de mais de um século de lutas empreendidas pela classe trabalhadora na busca de respeito e dignidade positivados em direitos.
O PL quer voltar no tempo em pelo menos 200 anos, para a época de emergência dos valores liberais e ao estado napoleônico, onde imperava a idéia da igualdade formal à revelia da evidente desigualdade reinante na sociedade, principalmente entre trabalhadores e empregadores.
É sabido o grande desequilíbrio de forças existente na relação empregado-patrão, não só de natureza econômica, mas também técnica. O empregador mal intencionado se valerá desta nova abertura na lei para camuflar um acordo de vontades e, longe das formalidades existentes no processo judicial que visam garantir a probidade do procedimento, fazer valer seus próprios interesses em detrimento dos legítimos direitos do trabalhador. Assim, a simplicidade procedimental prevista no projeto facilita a proliferação dos acordos “forjados”, em que o trabalhador é forçado a assinar, sob pena de não receber nada e ficar na miséria. O acordo extrajudicial, uma vez homologado pela Justiça do Trabalho, daria quitação “geral e plena” do contrato de trabalho ao empregador, vale dizer, o trabalhador não poderia reclamar mais nenhuma parcela de natureza salarial que lhe tenha sido sonegada durante o tempo em que trabalhou.
O PL e o Substitutivo são claramente inconstitucionais. O art. 5º, inciso XXXV, cláusula pétrea da Constituição da República, diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. No entanto, o projeto de lei propõe exatamente o contrário. Sua redação permite que a violação de direitos trabalhistas seja resolvida pela autonomia privada, numa mesa de acordo em que estarão sentados trabalhador e empresário, sem a assistência de um terceiro que zele pela igualdade de forças, que é a função do juiz. O juiz somente participará posteriormente, em audiência sem testemunhas, documentos, perícias ou outro tipo de provas, funcionando como mero carimbador de acordos.
A direção do processo judicial é feita pela figura do Juiz, que garante a igualdade da relação empregado-patrão na discussão dos direitos. Já no acordo privado, a direção do procedimento tenderia a passar naturalmente para a figura mais forte da relação, isto é, ao empregador. Este, por sua vez, dará os rumos que julgar mais convenientes à solução do acordo. A assistência do sindicato, que poderia contribuir com alguma lisura quanto ao acordo, não é prevista no projeto. De todo modo, mesmo com eventual assistência do sindicato, ainda assim o PL seria péssimo e inaceitável.
A proposta seria um grande incentivo à multiplicação de acordos extrajudiciais, que são realizados longe da vigilância e direção da Justiça. Do jeito como está redigido, o empregador teria uma grande liberdade para assediar o trabalhador e o induzir a resolver os conflitos da relação de emprego longe da guarda do Judiciário, sob sua direção e de acordo com seus interesses. O acordo poderia ser feito até mesmo durante a relação de emprego, enquanto o trabalhador está ainda mais submetido às ordens do empregador.
O Judiciário tem por missão o poder-dever de dizer o direito a ser aplicado com base na análise dos fatos que lhe são trazidos. Uma pessoa que sofre lesão ao seu direito tem a garantia de levar sua reclamação ao juiz, que, a partir de uma análise técnica e atenciosa, reparará o dano sofrido por meio da sentença. O acordo realizado longe da sua presença abalará essa garantia.
A citada cláusula pétrea do art. 5º, da Constituição, é de tamanha importância que o Supremo Tribunal Federal a utilizou como fundamento para declarar nas ADIs 2139 e 2160 inválida a obrigatoriedade de submissão dos conflitos trabalhistas às Comissões de Conciliação Prévia, como enunciava o art. 625-D, da CLT. Tal regra simplesmente forçava que o trabalhador se submetesse a tais Comissões antes de ajuizar ação trabalhista. Tal regra foi corretamente considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal por ofender justamente a norma que estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Agora, tenta-se novamente afastar as lides trabalhistas da apreciação da Justiça, por meio deste projeto que traz grandes facilidades à realização de acordos extrajudiciais e reservam ao juiz um papel de “homologador de acordos”. Restaria ao juiz do trabalho verificaria as condições formais do acordo realizado, sem analisar se os termos contidos são realmente justos. Os empregadores tenderiam a submeter todos os trabalhadores a tal procedimento, após o término da relação de emprego (acabando na prática com a homologação da rescisão pelos sindicatos). E o trabalhador, que de regra utiliza o salário para comer e subsistir, e não para especular ou investir, teria de optar entre aceitar um acordo injusto, ou enfrentar a ameaça de nada receber e ter de esperar anos e anos para ser pago. Além disso, durante o contrato de trabalho, sempre que o empregador quiser suprimir ou violar um direito do trabalhador, poderia fazer uso de tal “jurisdição voluntária”.
O projeto em análise, ao desconsiderar esses princípios, pratica uma verdadeira chantagem contra o trabalhador, que se vê na posição de ou aceitar o acordo imposto pela empresa ou demandar em juízo durante anos até que venha a ter os seus direitos reconhecidos e pagos.
O projeto propõe desafogar o Judiciário, mas à custa de sua inutilização. Pretende-se resumir os desfechos dos conflitos trabalhistas ao mero acordo, sem que o Judiciário possa avaliar os fatos e definir quem tem razão, relegando-se a justiça das relações trabalhistas a uma barganha de direitos: o patrão é inadimplente durante o contrato de trabalho e, após o término, ainda assume a direção do acordo para definir quanto o trabalhador merece receber.
Desta forma, é necessária a mobilização sindical e de entidades comprometidas com a dignidade do trabalhador para que o PL não prospere e não destrua a Justiça do Trabalho e sua verdadeira vocação. A fortificação dos acordos extrajudiciais tem por único objetivo a privatização das soluções dos conflitos. Além disso, representam uma atribuição não jurisdicional à Justiça do Trabalho, cuja principal competência é dirimir litígios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores e não meramente homologar acordos. E assim:
a) a Justiça do Trabalho não teria qualquer meio de conferir a lisura do acordo;
b) haveria um efeito de inchar a Justiça do Trabalho com acordos para serem carimbados, e acarretar um atraso no processamento das reclamatórias trabalhistas (o processo do trabalho de verdade).
5. Pacotão de PLs contra a Justiça do Trabalho e contra os trabalhadores
O PL faz parte de um pacote de Projetos visando inviabilizar a atuação da Justiça do Trabalho e impedir os trabalhadores de ajuizarem reclamatórias trabalhistas. Silvio Costa, Presidente da CTASP, disse expressamente em agosto deste ano: “Repito que, por mim, acabaríamos com a Justiça do Trabalho" (http://www.dci.com.br/Novas-regras-nas-relacoes-entre-o-capital-e-o-trabalho-5-388377.html). Cito também outro PL que merece atuação urgente:
- Projeto de Lei nº 7.769, de 2010, aprovado pela CTASP recentemente, instituindo uma ampla e rígida aplicação da litigância de má-fé na Justiça do Trabalho, sendo responsável solidário o advogado do trabalhador, e somente permitindo apresentar recurso após pagar a multa.
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