A revisão legal também se deve aos avanços políticos e sociais das últimas décadas. Dos 17 códigos em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, apenas dois foram aprovados depois do processo de democratização - o Código Civil, de 2002, e o Código de Defesa do Consumidor, de 1990. O atual Código Comercial - tão dilacerado que hoje trata apenas do direito marítimo - foi editado em 1850, mesmo ano da lei que acabou com o tráfico negreiro. A antiga parte que tratava dos negócios foi inserida no novo Código Civil. Já o Código de Minas, de 1940, começa com a justificativa de que "o uso das substâncias minerais" foi alterado profundamente com "a notória evolução da ciência e da tecnologia, nos anos após a 2ª Guerra Mundial". Além dos seis códigos em processo de revisão, o Executivo irá encaminhar nos próximos dias ao Congresso o projeto de um novo Código de Mineração.
Baseados em premissas constitucionais antigas, muitos livros ficaram fora de sintonia com o ordenamento atual. Outros acabaram desfigurados por sucessivas alterações por leis esparsas. "A Constituição Federal de 1988 foi o primeiro marco temporal que ocasionou um envelhecimento de nossos códigos", aponta o advogado Dalton Miranda, que atua em Brasília na área empresarial. Num sistema jurídico como o brasileiro, baseado na "civil law", o direito segue mais o texto da lei que a jurisprudência dos tribunais. Por isso, a data de promulgação faz com que muitos desses instrumentos estejam amparados em normas ou situações ultrapassadas.
Exemplo disso é o Código de Processo Civil (CPC), editado em 1940. Setenta anos depois, a procura crescente do Judiciário e a proliferação do uso de recursos abarrotou os tribunais, gerando demora na tramitação das ações. O sistema também já não serve a uma sociedade e uma economia dinâmica, segundo especialistas. Em 2009, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), criou uma comissão de juristas para elaborar um novo CPC. O texto foi aprovado pelo Senado em dezembro e encaminhado à Câmara. A ideia é simplificar o sistema recursal e agilizar a tramitação dos casos. "Algumas vezes, o juiz fica muito mais tempo concentrado em resolver problemas do próprio processo que o direito da parte", diz a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual e relatora da comissão que elaborou o novo CPC.
O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, atribui aos avanços tecnológicos da última década a necessidade de mudanças legais. "As relações sociais foram se modificando de forma mais rápida e ficaram à frente do que está nos códigos", afirma. Mas, para ele, foi a circunstância política atual que permitiu propostas mais amplas de alteração de alguns códigos - como nos casos do processo civil e penal. "Antes, a avaliação era de que não havia condições políticas. Por isso, foram feitas reformas pontuais", afirma. "Agora, há uma avaliação de que estão dadas as condições políticas para se aprovar novas codificações."
Para o jurista Silvio Venosa, a sociedade tecnológica gera um envelhecimento precoce das leis. "Isso coloca os códigos em xeque. Torna-se necessário fazer uma reestruturação", diz. Mas ele classifica as alterações legais no Brasil como "um pouco desconjuntadas". "Vamos dilacerando os códigos e criando leis extravagantes, ficamos com leis e códigos pela metade, e isso traz uma dificuldade enorme de interpretação."
O advogado Ronaldo Cramer, procurador-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, entende que nem todas as mudanças seriam necessárias, e algumas delas correm o risco de gerar insegurança jurídica. "Não pode haver um movimento genérico de revisão, tem que ser algo peculiar. A apresentação de um código no Congresso Nacional demanda uma tramitação mais lenta, e, quando ele entra em vigor, leva algum tempo até que se chegue a uma interpretação segura", alerta. O novo Código Civil, por exemplo, já nasceu velho: foi apresentado em 1943 e entrou em vigor quase 30 anos depois."
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