"Um número resume a superlotação crescente dos tribunais brasileiros nos últimos 30 anos: de uma média de 9,5 mil processos protocolados e de 9 mil julgamentos em 1980, o Supremo Tribunal Federal teve 71 mil processos e 103 mil julgamentos em 2010; este ano, já foram 27 mil processos e 39 mil julgamentos. Em 30 anos, portanto, o número de processos protocolados cresceu 647%, e o de julgamentos, 1.044%.
Quase oito milhões de novos processos foram abertos em 1ª instância na Justiça estadual no país, apenas em 2009. Somados aos que, naquele ano, deram entrada na 2ª instância (1,78 milhão), chega-se a um total de 9,38 milhões de casos para os cerca de 14 mil juízes estaduais, que o país tinha em 2009, julgarem, ou seja, 670 novos processos para cada magistrado. Os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são uma amostra das dificuldades enfrentadas pelo Judiciário, entre elas o excesso de ações. O trabalho do Judiciário é a segunda reportagem de uma série sobre o cumprimento das leis que O GLOBO iniciou ontem.
Com o Judiciário sobrecarregado, quem mais sofre é o cidadão comum, que encontra problemas a cada dia maiores para conseguir seus direitos:
- A gente sabe que tem direitos, mas chegar a eles é difícil. Às vezes, por não saber onde encontrar Justiça E, quando você vai procurá-la, tem de chegar cedo, esperar. O ideal é que tivesse núcleos de Justiça espalhados nos bairros. Que as pessoas tivessem informação, "olha, é ali que você busca esse direito” - diz a orientadora educacional Lauricy Fátima de Jesus, que mora em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e, na última quinta-feira, procurou a Defensoria Pública, no Centro do Rio, atrás de ajuda para o filho, portador de Síndrome de Asperger (variação do autismo), ter apoio pedagógico na faculdade onde estuda.
Morador da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio, José do Nascimento Silva, de 45 anos, já foi três vezes à Defensoria Pública com a irmã, tentando conseguir para ela Riocard de acompanhante. Ele tem problemas visuais e não pode andar sozinho no ônibus:
- Fui ao médico, ele me deu um laudo, mas a Fetranspor não aceita, pede mais laudos. Disseram para vir aqui (na Defensoria). Sei que tenho esse direito, tenho um Riocard especial. Mas não consigo resolver, não sei o que fazer, se tem que ter advogado. Estou há mais de um mês na luta
Uma estrutura em fase de adaptação
Hoje, são 13.735 juízes estaduais, de acordo com a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), e mais 1.492 federais, segundo a Associação de Juízes Federais (Ajufe). Mesmo assim, países desenvolvidos, como os europeus, tem até o triplo do total de magistrados que o Brasil possui, afirma o secretário-geral da Ajufe, José Carlos Machado, que atua em Belo Horizonte (MG).
- Além do problema de recursos humanos, a legislação processual precisa ser revista. Ela carece de reformas que permitam adequar a velocidade da prestação do serviço às demandas - diz Machado, citando a criação dos juizados de Pequenas Causas (estaduais) e Especiais Federais como exemplos de instrumentos que melhoraram o atendimento à população.
Machado cita outros obstáculos:
- Estamos julgando com base em leis de décadas atrás, e temos que lidar com casos de legislação muito recente, como biomedicina ou direitos civis de casais homossexuais. Isso numa sociedade que, com a internet, faz conflitos surgirem mais rapidamente. Temos de responder usando uma estrutura que está se adaptando.
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, reconhece que os magistrados não conhecem todas as leis.
- Na Constituição, há normas programáticas na Saúde e na Educação que não se concretizam por falta de infraestrutura. O problema se repete nas leis processuais, que estabelecem prazos para decisões judiciais que são incumpríveis pelo excesso de processos - diz o advogado Sergio Bermudes."
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