sexta-feira, 13 de junho de 2014

Terceirização: TST reafirma em junho/2014 que call center é atividade-fim e não pode ser terceirizado

Maximiliano Nagl Garcez
Advogado em Brasília de trabalhadores e entidades sindicais e consultor em processo legislativo. Diretor de Assuntos Legislativos da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas (Alal). Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Ex-bolsista Fulbright e pesquisador-visitante na Harvard Law School. Email: max@advocaciagarcez.adv.br.

1.    Da manutenção da jurisprudência do TST acerca do tema

Após a realização de audiência pública pelo TST em 2011, elaborei artigo, publicado pelo Diap em http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18731:apos-audiencia-publica-tst-reafirma-jurisprudencia-acerca-da-terceirizacao&catid=46&Itemid=207 , que a jurisprudência do Tribunal sobre o assunto ora discutido continua no mesmo sentido: da ilegalidade de terceirização de call center por empresas de telecomunicações (e também de energia e saneamento básico, dentre outros setores).
Em tal artigo, mostrei a incorreção de editorial do jornal Estado de São Paulo, com o título "O TST muda sua jurisprudência", que no dia 24 de outubro de 2011 tentava induzir a erro seus eleitores, para que considerassem que teria havido alguma mudança na posição reiterada do TST sobre o assunto.
Agora, em 12 de junho de 2014, o E. TRT da 12ª. Região divulga matéria no mesmo sentido, que divulgo abaixo:

Terceirização: TST confirma que atendimento em call center é atividade-fim Ministros da 6ª Turma do TST mantiveram decisão da juíza Patrícia Andrades Gameiro Hofstaetter, da 4ª Vara do Trabalho de Joinville, que condenou a Claro S.A. pela contratação de empregado, por empresa interposta, para prestação de serviços em atividades de teleatendimento. A magistrada determinou a retificação da Carteira de Trabalho da autora da ação para constar o vínculo de emprego diretamente com a telefônica. Além disso, a Claro deve pagar as diferenças salariais conforme piso da categoria, auxílio-alimentação e participação nos lucros.

A empresa chegou a alegar que as atividades exercidas pela autora não se confundem com a atividade-fim da empresa, porque o atendimento a clientes é atividade acessória.
Mas, para o ministro Augusto César Leite de Carvalho, relator do processo, as empresas concessionárias da atividade de telefonia se relacionam com seus usuários por meio dos operadores de call center, sendo evidente a ligação com a atividade-fim. Ele destacou que a terceirização de serviços tem gerado inúmeros debates a respeito de sua conveniência e de suas repercussões sociais e econômicas. Inclusive já foi tema da primeira audiência pública da história do TST, em outubro de 2011.

“Depoimentos e dados colhidos retratam a precarização do trabalho terceirizado em vista do aumento desproporcional de acidentes de trabalho, o desestímulo ao treinamento e à capacitação funcional, a desigualdade dos salários e a maior rotatividade, além do descolamento da categoria profissional representada pelo sindicato que congrega os trabalhadores afetos à atividade-fim, como se as leis de organização sindical cuidassem da terceirização como uma atividade econômica por si só”, diz a decisão do TST.

No TRT catarinense, os membros da 1ª Câmara já haviam mantido a sentença na íntegra. Para a juíza Patrícia, as funções da autora não podem ser consideradas atividade-meio porque extrapolaram a mera intermediação e comunicação com clientes, englobando atividades inerentes à própria telefonia, como recebimento de reclamações, solução de problemas, bloqueio e desbloqueio de aparelhos e ajuste de faturas, por exemplo.”
2. Da Ilegalidade da terceirização em atividades-fim de empresas de telefonia - Prejuízos aos trabalhadores e à sociedade em decorrência da terceirização.
Considero que a terceirização desenfreada e ilegal pelas empresas do setor de telecomunicações no Brasil traz inúmeros prejuízos não somente aos trabalhadores e aos sindicatos, mas também a toda sociedade. Elenco a seguir algumas:
- prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas áreas de telefonia, serviços bancários, energia, água e saneamento; na área de telecomunicações, são notórios os sérios problemas na qualidade dos serviços (extremamente caros, diga-se de passagem) prestados aos consumidores da telefonia fixa e móvel; a terceirização (e até a quarteirização, lamentavelmente também uma realidade no setor) é sem dúvida uma das responsáveis pela baixíssima qualidade de tais serviços ofertados à sociedade brasileira;
- a destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores, gerando, segundo o TST,  "o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores" (E-RR-586.341/1999.4); apesar de tal julgado ter sido proferido em processo discutindo a terceirização no setor elétrico, creio que tal argumento também pode ser aplicado é aplicável às demais categorias;
- impactos negativos na receita da Previdência Social e do FGTS, tendo em vista que os salários médios dos trabalhadores terceirizados e quarteirizados (ou até mesmo "quinteirizados" e "sexteirizados", como já foi constatado no setor petroleiro) são menores que os trabalhadores com contrato de trabalho por prazo indeterminado. Assim, o trabalho terceirizado reduz o volume de remuneração dos trabalhadores, e substitui a modalidade contratual típica, transformando o emprego em subemprego, diminuindo o poder aquisitivo dos empregados e a arrecadação da Previdência Social, bem como os montantes depositados no FGTS (usados primordialmente para saneamento básico e habitação);
- precarização do trabalho e o desemprego. A alegada "geração de novos postos de trabalho" pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua substituição por "sub-empregados". Vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90, que implementaram reformas em sua legislação trabalhista, com ênfase na terceirização e no trabalho temporário. Tais países instituíram em seus ordenamentos jurídicos diversas formas de precarização das condições de trabalho e redução dos seus custos; seus resultados foram um incremento radical da rotatividade de mão de obra e uma substituição da modalidade contratual de tempo indeterminado pela temporária e precarizada. Tais mudanças implementadas não serviram para gerar empregos. Enquanto o desemprego continuou aumentando, cresceu também a desqualificação da mão-de-obra, com prejuízos à produtividade, à arrecadação de impostos e a toda sociedade. Ou seja, persistiram as altas taxas de desemprego, mesmo às custas da redução de direitos trabalhistas; 
- aumento do número de acidentes do trabalho (sendo muitos fatais)  envolvendo trabalhadores terceirizados, como diversos especialistas e sindicalistas demonstraram durante a referida audiência pública;
- criação de empresas de prestação de serviços de fachada, com posterior falência, ou mero desaparecimento do dia para a noite, deixando desamparados seus trabalhadores, e causando prejuízos a toda sociedade, em decorrência do inadimplemento de contribuições ao INSS e ao FGTS;
- existência de diferenciação ilegal entre aquele empregado por tempo indeterminado, e aquele "terceirizado": salários mais baixos, jornadas mais longas, e precarização das demais condições de trabalho;
- prejuízos sociais da terceirização e quarteirização indiscriminada. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a presença de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente,  prejudica toda sociedade, corroendo as relações sociais e degradando o trabalho: "Com as novas regras da livre concorrência, a insegurança da vida sentimental se estendeu à vida profissional. Qualquer parceria se tornou precária. A presença do outro não mais suscita apelo à colaboração, mas sim desejo de instrumentalização. Tornamo-nos uma multidão anônima, sem rosto, raízes ou futuro comum. E, se tido é provisório, se tudo foi despojado da dignidade que nos fazia queres agir corretamente, quem ou o que pode apreciar o "caráter moral" de quem quer que seja?  Na cultura da "flexibilidade", como reza o jargão neoliberal, ou fingimos acreditar em valores que não mais existem ou acreditamos, verdadeiramente, em miragens - e a alienação é ainda maior. Isolados do público, pela paixão dos interesses privados, e dos mais próximos afetivamente, pela degradação do trabalho e pela volubilidade sentimental, erramos em direção ao nada ou a qualquer coisa." (COSTA, Jurandir Freire. Descaminhos do caráter. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 1999. Caderno Mais!, p. 3);
- a própria dignidade do trabalhador terceirizado ou quarteirizado acaba por ser violada, em um contexto social tão degradado, desgastando o tecido social e impedindo a construção de uma sociedade mais justa e democrática: "Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável." (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
3. Conclusão - importância do combate às terceirizações ilegais
Não se pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de mercado, transitória e descartável. A luta contra a terceirização na área de telecomunicações deve também lembrar à sociedade:
a) os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana e do trabalho, que ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição Federal;
b) a necessidade de proteger a coisa pública e os interesses coletivos;
c) a importância de garantir a qualidade dos serviços e produtos essenciais ao bem-estar da população.


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