segunda-feira, 4 de julho de 2011

"Atribuições da Comissão da Verdade enfrentam embate jurídico" (Fonte: Agência Câmara)

"A instalação da Comissão Nacional da Verdade, tema do Projeto de Lei 7376/10, do Executivo, é considerada pelos parentes dos desaparecidos políticos durante o regime militar (1964 a 1985) um importante instrumento para a localização dos corpos e até mesmo para estabelecer um novo parâmetro jurídico no Brasil, já que a intenção do grupo é sobrepor uma decisão judicial internacional a uma manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Embora o STF tenha rejeitado, em abril do ano passado, o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para anular o perdão dado aos representantes do Estado acusados de praticar tortura durante o regime militar, previsto pela Lei da Anistia (6683/79), a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em novembro de 2010, apresentou sentença diferente evocando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

A Corte Interamericana considera que, da forma como foi interpretada e aplicada, a Lei de Anistia brasileira afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as violações de direitos humanos. Como os familiares das vítimas foram impedidos de serem ouvidos por um juiz, foi violado o direito à proteção judicial pela falta de investigação, persecução, captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos crimes.
Além disso, ao aplicar a Lei de Anistia impedindo a investigação dos fatos e a identificação, julgamento e eventual sanção dos possíveis responsáveis por violações, como os desaparecimentos forçados, o Brasil descumpriu sua obrigação de adequar seu direito interno às regras internacionais.
A manifestação da Corte Interamericana foi motivada pela petição apresentada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, contra o Brasil, em nome de pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia e seus familiares.
Dois lados da guerra
Para Jarbas Passarinho – ex-governador do Pará, ex-presidente do Senado, ex-ministro das pastas de Educação e de Trabalho e Previdência Social durante o regime militar –, a decisão do Supremo colocou “uma pedra sobre o assunto” de eventuais condenações contra “os dois lados da guerra” no período.
“Esse pessoal já reclamou até ao Supremo, que convalidou a Lei da Anistia. Estão [os familiares e ex-presos políticos] recebendo pensões, empregos vitalícios, sem pagar imposto de renda porque perderam a guerra por falta de apoio popular”, declarou Passarinho.
Ao analisar a questão, o STF decidiu (por 7 votos a 2), que não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que, na transição do regime militar para a democracia, resultou na anistia de todos os que cometeram crimes políticos no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

O atual presidente do STF, Ministro Cézar Peluso, disse à época do julgamento que “se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura, com os seus sentimentos, com a sua índole e também com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia”.

Esse argumento não é válido para o conselheiro federal da OAB e professor emérito de direito da Universidade de São Paulo Fábio Konder Comparato. “É irrelevante, nesta altura dos acontecimentos, saber qual das duas decisões judiciais é melhor”, declarou em audiência pública na Câmara dos Deputados.
Para o jurista, “a recusa em cumprir a sentença do tribunal internacional, cuja jurisdição foi oficialmente aceita de modo geral, configura flagrante desrespeito ao Estado de Direito e coloca o Brasil em estado de aberta ruptura com a ordem jurídica internacional”.

Segundo o grupo Tortura Nunca Mais, fundado em 1985 por iniciativa de ex-presos políticos que viveram situações de tortura durante o regime militar e por familiares de mortos e desaparecidos políticos, há, atualmente, 136 desaparecidos. O grupo contabiliza 298 pessoas mortas pelo regime militar."

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