segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

“Presos à falta de experiência - Sobra emprego, mas falta experiência” (Fonte: Correio Braziliense)

"Autor(es): Débora Álvare


Retomar o dia a dia depois de passar 15 anos na cadeia é uma tarefa tão difícil quanto o período que se passou atrás das grades. Para facilitar o retorno de detentos ao convívio com a sociedade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou, em outubro de 2009, o projeto Começar de Novo, com a intenção de reinserir presos — ou quem já esteve nessa situação — no mercado de trabalho. Dois meses após a implantação da iniciativa, havia 1,3 mil vagas disponíveis. Um ano e três meses depois, a quantidade praticamente dobrou — até a última sexta-feira, eram 2,6 mil propostas de emprego. No entanto, apenas 423 dessas oportunidades estão preenchidas — 16,29%.

A disparidade dos números é fruto da realidade social brasileira, mas também motivada pela estrutura do sistema penitenciário. “O preconceito da sociedade em relação à população carcerária existe, mas é a menor das etapas a ser transposta nesse caso, já que as empresas inscreveram as vagas no programa”, ressalta o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, ex-integrante da Secretaria de Reforma Judiciária do Ministério da Justiça entre 2005 e 2007. Para ele, a falta de qualificação técnica é uma realidade do sistema. “O maior problema do setor é a pouca ou nula preparação profissional dos apenados.”

O sociólogo Fernando Salla, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), compartilha a opinião. Segundo ele, há desencontros em relação à formação exigida pelas empresas e a oferecida pela mão de obra. “Como sabemos, as pessoas que estão presas não têm um tempo superior de formação escolar e nem larga experiência profissional”, salienta. Outro fator que motiva o não preenchimento de oportunidades é a burocracia enfrentada por presos que cumprem penas em regime semiaberto. “Isso cria uma dificuldade em relação à liberação para o trabalho, já que não há vagas suficientes nos presídios de regime semiaberto”, diz Bottini.

Apesar das dificuldades, quem consegue ingressar no mercado de trabalho comemora a iniciativa. É o caso da brasiliense Jeane Ferreira Farias, 30 anos, presa sob a acusação de ser cúmplice do ex-companheiro em um assalto a banco, em Mato Grosso, em 2006. Ela ganhou o direito de responder ao processo em liberdade, mas voltou a ser presa por não ter se apresentado à Justiça quando retornou a Brasília. Hoje, Jeane cumpre a pena em regime domiciliar, trabalha na Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal (Funap-DF) na parte administrativa e avalia positivamente a experiência. “Aqui as pessoas ajudam quem tem passagem pela polícia sem preconceito. Sinto que nos reeducam para voltarmos a ter contato com a população.” Antes de ser presa, Jeane trabalhava como gerente de uma loja de roupas, mas não foi aceita de volta quando conquistou o direito ao trabalho fora da prisão. “Tem muita gente que, até hoje, me recrimina por ter sido presa”, lamenta.

Casos como o de Jeane demonstram a importância do projeto. No entanto, ele não é pioneiro na área. O trabalho dentro das penitenciárias sempre foi uma realidade, embora a Lei de Execuções Penais tenha sido a primeira a detalhar a forma como isso deveria ocorrer, em 1984. Mesmo após 27 anos, apenas 15% do universo de quase 500 mil presos brasileiros trabalham. Segundo o juiz do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luciano Losekann, apenas 5% da população encarcerada presta algum tipo de serviço dentro dos presídios.

Ciclo

Essa falta de incentivo ao trabalho, criticada por especialistas no sistema penal brasileiro, dificulta a ressocialização, mas gera também outro problema alarmante. Como destaca o juiz do CNJ, embora a reincidência não seja acompanhada de perto por órgãos responsáveis pelo sistema carcerário, observa-se que aproximadamente 80% dos libertos voltam a ser presos. Para Losekann, a falta de qualificação e de ocupação são incentivos a esse ciclo.

Prova de que oportunidades de emprego podem ser um diferencial nesse sentido é o que ocorre em São Paulo, estado com a maior população prisional do Brasil — são 164.521 presos, o equivalente a 30% do total brasileiro. De acordo com dados da Fundação Professor Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap-SP) — órgão vinculado à Secretaria de Segurança Pública do estado —, a reincidência gira em torno dos 60%. O índice, menor que o verificado em outras unidades da Federação, deve-se à realidade paulista, na qual 80% dos presos trabalham.


Oportunidades

Os empregadores interessados em participar do programa podem se inscrever no site do CNJ, onde estão listadas as oportunidades de emprego para os detentos que queiram trabalhar. A maioria das 451 parcerias, firmadas por meio de um Termo de Cooperação Técnica, é de empresas particulares, que ofertam 80% das vagas. Todos os estados brasileiros já aderiram ao programa. Além de oportunidade de emprego, o Começar de Novo oferta cursos de qualificação profissional.

Sem estrutura no DF
A população carcerária do Distrito Federal ultrapassa 9 mil homens e mulheres, segundo dados da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) do DF. Cerca de 1,3 mil realiza atividades diversas, como carpintaria, jardinagem e oficina dentro dos presídios locais. Ainda há pouco mais de 2 mil detentos em regime semiaberto e apenas 746 prestam algum serviço foram do presídio. Essa disparidade ocorre, segundo o diretor-geral da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe), Hélio de Oliveira, porque há apenas 873 internos abrigados no Centro de Progressão Provisória (CPP), que conta com 1.130 vagas. Aqueles que, apesar de cumprirem pena no semiaberto, permanecem no presídio normal, segundo o dirigente, não têm ocupação fora da prisão. “Por isso há vagas sobrando no CPP”, ressalta Oliveira. (DA)"

 

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