"Mais uma vez, empresas ligadas a políticos e seus familiares estão entre as incluídas no cadastro de empregadores flagrados com trabalho escravo, a chamada “lista suja”. A relação, mantida pela Portaria Interministerial nº 2/2011 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), é atualizada todo semestre.
Na última modificação, divulgada na última segunda-feira (30), o nome do grupo de segurança Embraforte, especializado no transporte de bens e valores, aparece entre as inclusões. A empresa pertence a Pedro Henrique Gonçalves de Vilhena e Marcos André Paes de Vilhena, este último irmão da secretária de Estado de Planejamento e Gestão do Governo de Minas Gerais, Renata Vilhena.
A inclusão da Embraforte aconteceu em função de flagrante realizado no primeiro semestre de 2012, quando auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG) constataram que 115 seguranças estavam submetidos a condições análogas às de escravos. A libertação é a que teve o maior número de resgatados entre todas dessa atualização da “lista suja”
A denúncia tem como base documentos e provas que apontam jornadas sistemáticas de até mais de 12 horas diárias, além de submissão de empregados a condições degradantes. De acordo com o apurado pela fiscalização, seguranças que trabalhavam dentro de carros-fortes eram impedidos de deixar os veículos por períodos prolongados e obrigados a urinar em garrafas. De acordo com MTE, assim como as demais empresas incluídas no cadastro, a Embraforte teve chance de se defender. A demora pela inclusão, que acontece mais de um ano após o flagrante, se dá em função do processo administrativo interno decorrente da fiscalização. A Repórter Brasil tentou ouvir os dois sócios na época em que o flagrante aconteceu e após a divulgação do cadastro, sem sucesso.
Em nota enviada à reportagem quando a fiscalização aconteceu, o grupo negou a exploração de escravos e afirmou que a secretária do Estado Renata Vilhena não tem qualquer ligação com a empresa. O comunicado ressalta ainda que a Embraforte não faz negócios com o Governo de Minas Gerais, não havendo, portanto, conflito de interesses. “A empresa preza pela saúde e segurança dos seus empregados e jamais colocou qualquer integrante da sua equipe de funcionários em condições que pudessem trazer qualquer prejuízo aos mesmos, os carros fortes são periodicamente vistoriados pela Polícia Federal e nenhuma irregularidade foi detectada, bem como os funcionários possuem o intervalo interjornada e intrajornada de acordo com o previsto na legislação”, diz o texto.
Fiscalização aponta condições “absurdas”A operação que resultou no flagrante foi comandada pelo auditor fiscal Marcelo Gonçalves Campos e tinha como objetivo verificar eventuais irregularidades trabalhistas e não trabalho escravo em si. As condições a que os seguranças do grupo estavam submetidos surpreenderam os auditores, no entanto. A fiscalização aconteceu no período de abril a junho. As jornadas exaustivas sistemáticas de boa parte dos empregados foram classificadas como “absurdas” pelos auditores. Eles também manifestaram surpresa com as condições a que seguranças dos carros-fortes eram submetidos. Por períodos prolongados, eles eram obrigados a permanecer no calor dentro de veículos escuros sem sistemas de ar condicionado, com vestimenta pesada incluindo coturno e colete à prova de bala, sem intervalos para refeições e utilização de banheiros. Sem opções, muitos utilizavam garrafas para urinar sem sair dos veículos. O fato de as equipes exploradas portarem armamento pesado foi considerado um agravante pela fiscalização.
Problemas recorrentes
Não é a primeira vez que a Embraforte tem problemas com as autoridades por jornadas exaustivas e infrações trabalhistas. Em função de abusos verificados em fiscalizações anteriores, o Ministério Público do Trabalho (MPT) chegou a propor uma Ação Civil Pública contra a empresa. Motoristas de carros-fortes prestaram depoimentos na ocasião relatando cumprir jornadas das 7h até as 21h, seis dias por semana, sem intervalos para refeições, e afirmaram que não só se alimentavam de marmitas dentro do veículo durante o expediente, como também realizavam necessidades fisiológicas nesse mesmo esquema, recorrendo a garrafas e outras improvisações.
Diante da pressão do Ministério Público do Trabalho, em 2010 a Embraforte firmou acordo judicial se comprometendo a respeitar o limite de duas horas extraordinárias por dia, a conceder o intervalo mínimo de 11 horas de descanso entre duas jornadas, e a garantir aos empregados intervalos para alimentação e descanso, conforme previsto na legislação. As cobranças por adequações levaram os sócios, em dezembro de 2011, a fazer uma reformulação no departamento de Recursos Humanos e Relação do Trabalho, bem como em áreas administrativas.
Apesar das mudanças, porém, a garantia de muitos dos direitos básicos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho continuou sendo ignorada pela administração, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego. Os problemas flagrados na Embraforte não são exceção no setor no Estado. Em 2010, a Repórter Brasil já havia divulgado os resultados de pesquisa indicando graves violações no cotidiano de vigilantes de Minas Gerais. Leia mais a respeito ou ouça entrevista no programa Vozes da Liberdade, concedida na ocasião pelo professor Carlos Eduardo Carrusca Vieira, coordenador de estudos da Psicologia do Trabalho na PUC Minas.
A inclusão da empresa na lista acontece em um contexto de reclamações trabalhistas por parte de seus empregados. Em 18 de dezembro, eles organizaram um protesto em Belo Horizonte reclamando o pagamento de direitos trabalhistas e questionando demissões em massa.
Outros políticos
Além da empresa do irmão da secretária de Estado de Planejamento e Gestão do Governo de Minas Gerais, Renata Vilhena, também há outros grupos ligados a políticos nessa atualização do cadastro. A principal é a Laginha Agro Industrial, empresa do Grupo João Lyra, pertencente ao deputado federal João Lyra (PSD-AL). A inclusão tem como base o resgate em 2008 de 53 pessoas, que viviam, conforme descreveu na época o auditor Dercides Pires da Silva, em alojamentos “muito sujos, fedidos” e dormiam em “espumas velhas, rasgadas, que quando se aperta com a mão, dá pra encostar um dedo no outro”.
É a segunda vez que a Laginha entra na relação. A primeira foi em junho de 2013, em função da libertação em 2010 de 207 pessoas que viviam em casas superlotadas, em péssimo estado de conservação, vivendo e trabalhando em condições degradantes.
Não é o único problema envolvendo o deputado federal eleito em 2010 com o maior patrimônio declarado – R$ 240 milhões. Um dos políticos mais ricos do Nordeste, pai de Teresa Collor, viúva de Pedro Collor, ele tem enfrentado problemas frequentes. Este ano, uma decisão do juiz Jasiel Ivo, da 9ª Vara do Trabalho, determinou que sete empresas do grupo, entre estas a Laginha, ficassem impedidas de fazer contratações enquanto problemas trabalhistas recorrentes não fossem resolvidos. Seu grupo empresarial tem sede em Alagoas e possui ramificações na Bahia e em Minas Gerais. No total são dez empresas dos ramos da agroindústria sucroalcooleira e de fertilizantes e adubos, além de companhias dos setores automobilístico, de transportes aéreos e hospitalar. Assim como na última vez, a Repórter Brasil procurou a assessoria do deputado para que ele se posicionasse, mas não obteve um posicionamento.
Se as últimas duas atualizações da “lista suja”, em dezembro de 2012 e em junho de 2013, envolveram deputados federais e até um ex-ministro, nesta ocasião apenas políticos com poder local estão entre os incluídos. São eles o madeireiro Cledemilton Araújo Silva (PSB), vereador no município de Jacundá (PA), Jorcelino Tiago de Queiroz (PR), que é produtor de carvão e suplente de vereador em Ribeirão Cascalheira (MT), e o produtor de erva-mate Vinícius Vacin Frozza, filho de Nilo Frozza (PMDB), ex-vereador de Concórdia (SC). Este último, além de responder a inquérito por trabalho escravo (em um caso que envolve também tráfico de pessoas e exploração de índios), chegou a ser preso acusado de integrar uma quadrilha de roubo de cargas. A reportagem tentou ouvir os três sobre a inclusão na “lista suja”, sem sucesso."
Fonte: Repórter Brasil
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