Maximiliano Nagl Garcez
Advogado em Brasília e Curitiba de trabalhadores e entidades sindicais e consultor em processo legislativo. Diretor para Assuntos Parlamentares da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Ex-Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School. Email: max@advocaciagarcez.adv.br.
1. Síntese da PEC. O Senado Federal enviou à Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição nº 438-A, que altera o art. 243 da Constituição Federal para dispor sobre o confisco do imóvel rural em que for constada a exploração de trabalho escravo, revertendo a área para o assentamento do trabalhadores que estavam sendo explorados no local. Da mesma forma, pelo texto da Proposta, serão confiscados todos os bens de valor econômico apreendidos em decorrência da exploração do trabalho escravo. Em ambos os casos a expropriação prescindirá de qualquer indenização ao expropriado.
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania manifestou-se pela admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição nº 438/01. Enviada à Comissão Especial, tramitou juntamente com as proposições PEC-300/2000, do Roberto Pessoa, PEC-235/2004, do Sr. Milton Barbosa e outros, PEC-21/1999, do Sr. Marçal Filho e outros, PEC-232/1995, do Sr. Paulo Rocha, todas modificando o art. 243 da Constituição Federal para determinar a expropriação de propriedade onde é explorado trabalho escravo, e a PEC-189/1999, do Poder Executivo, que também altera o art. 243 da Constituição Federal, para dispor que sobre a expropriação de glebas que se prestem, de qualquer modo, para o trafico ilícito de entorpecentes.
Cabe destacar que a primeira PEC proposta no Brasil acerca do tema foi de autoria do Deputado Paulo Rocha, a referida PEC 232, de 1995.
Pela Comissão Especial foi designado relator o Deputado Tarcísio Zimmermann, que apresentou Parecer pela APROVAÇÃO da PEC 438-A, pela REJEIÇÃO das Emendas nos 1, 2 e 3, apresentadas à PEC 438-A e pela REJEIÇÃO das proposições apensadas, PEC 232/1995, 235/2004, PEC 21/1999, PEC189/1999 e PEC 300/2000.
A PEC foi aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, conforme amplo acordo feito com a bancada ruralista e com os Líderes de todos os Partidos, como veremos.
2. Conceito atual de trabalho escravo. A abolição da condição jurídica de escravo no Brasil ocorreu com base na Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888 (Lei Áurea), que estipulou: “É declarada extinta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil” (art. 1º).
No entanto, a escravidão continua a existir em nosso país, sob novas vestes: “a escravidão é um estigma genético e atávico da História nacional (...) No ocaso do século XIX, despida de sua veste mais cruel, a escravidão escondeu-se e continua agora escondida atrás das máscaras da insuficiência econômica, da desvalia social e da rusticidade inculta, a exaurir o trabalhador pela exploração da energia pessoal em nível de tratamento animalesco” (José Augusto Rodrigues Pinto).
Escravo, de acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, é o “que ou aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade absoluta de um senhor, a quem pertence como propriedade”.
O Código Penal brasileiro, no art. 149, usa o termo “condição análoga à de escravo” para tipificar o crime de alguém submeter uma pessoa à sua vontade, como se fosse escravo.
3. Tramitação e alterações aprovadas pela Câmara dos Deputados
Texto Constitucional | PEC 438/2001 do Senado Federal | PEC 232/1995 Paulo Rocha PT/PA | Redação para o segundo Turno |
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. | Art. 1º O art. 243 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas à reforma agrária, com o assentamento prioritário aos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.” | Art. 1° - O artigo 243 da Constituição Federal passa a ter a seguinte redação: “Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou constatada condutas que favoreçam ou configurem trabalho forçado ou escravo, serão imediatamente expropriadas, incluindo-se as benfeitorias existentes, e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo à outras sanções previstas em lei.” | Art. 1º O art. 243 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.". |
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias. | Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá, conforme o caso, em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados, no assentamento dos colonos que foram escravizados, no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico ou do trabalho escravo. | Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes, drogas ou de conduta que favoreçam ou configurem trabalho forçado e escravo, será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento de recuperação de viciados, e no aparelhamento de custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias e de conduta que favoreçam ou configurem trabalho forçado e escravo. | Parágrafo únicoº. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com a destinação específica, na forma da lei.” |
A remissão supracitada ao art. 5º da Constituição Federal, inserida pelo Plenário da Câmara dos Deputados, não implica alteração de mérito, mas somente de redação. Fez-se necessária tal alteração para viabilizar acordo com a bancada ruralista, que tinha a preocupação de que as expropriações poderiam ser feitas em desrespeito aos direitos e garantias individuais previstas no art. 5º
Portanto, não se torna necessário o envio da matéria originária do Senado Federal para reexame naquela Casa, conforme negociação estabelecida entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Este considerou que a expressão "observado, no que couber, o disposto no art. 5º." é somente de redação, o que permite a promulgação imediata da PEC, assim que aprovada pelo Plenário da Câmara, no segundo turno de votação.
Após a realização das mudanças supracitadas pelo Relator, Deputado Tarcísio Zimmermann, frutos de acordo no qual participaram a então Deputada Kátia Abreu, hoje Senadora, os Deputados Ronaldo Caiado e o Deputado Nélson Marquezelli, foi aprovada em primeiro turno em Plenário em 11/8/2004 a Emenda Aglutinativa Substitutiva de Plenário nº 1 referente à PEC 438, de 2001, por 326 votos favoráveis, 10 contrários e 8 abstenções.
Desde então aguarda a matéria a votação em segundo turno pelo Plenário da Câmara dos Deputados.
4. Síntese do acordo feito em primeiro turno, com a participação dos deputados da bancada ruralista e com a concordância dos Líderes de todos os Partidos
Na sessão em que foi votada a emenda na Câmara dos Deputados em primeiro turno, foi realizado amplo acordo, com a concordância da bancada ruralista.
O Relator, Deputado Tarcísio Zimmermann, resumiu adequadamente o acordo realizado:
“O SR. TARCISIO ZIMMERMANN (PT – RS. Para emitir parecer. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente – Sras. e Srs. Parlamentares – este é um momento muito significativo para a Câmara dos Deputados. Estamos prestes a atender a um clamor social constituindo estes instrumentos que permitirão a erradicação do trabalho escravo no Brasil. O debate em torno da matéria foi muito intenso – tanto na Comissão Especial quanto no plenário. Devo registrar as contribuições fundamentais que recebemos de Parlamentares de diferentes posições políticas. Destaco a participação da Deputada Kátia Abreu – do Deputado Nelson Marquezelli – do Deputado Ronaldo Caiado e do Deputado Paulo Rocha na construção deste consenso – tão bem encaminhado nos últimos dias por V.Exª. – Sr. Presidente. Sucintamente – apresentarei as principais mudanças em relação ao projeto original. A emenda aglutinativa toma por base a PEC nº 232 – apresentada pelo Deputado Paulo Rocha. Fazemos justiça ao nobre Deputado – precursor da matéria nesta Casa – que antecipou-se ao Senado. A proposta de emenda do Deputado Paulo Rocha – datada de 1995 – foi a primeira tentativa de se inserir o tema no âmbito da Constituição. Saudamos o Deputado Paulo Rocha pela iniciativa – reconhecendo na emenda aglutinativa a precedência da sua iniciativa. Outra mudança. Incorporamos no caput do art. 243 a previsão de expropriação também dos imóveis urbanos – ao lado dos rurais – e retiramos do dispositivo algumas expressões que – no nosso ponto de vista – efetivamente poderiam gerar tensões. O primeiro termo retirado foi “imediatamente expropriadas”. Ele era excessivo – uma vez que a expropriação só pode se dar mediante o devido processo legal. Fizemos – portanto – uma correção. Também acabamos com a previsão de que os trabalhadores que estivessem executando serviços na condição de escravos ou em plantações de psicotrópicos pudessem ter preferência no assentamento. As terras serão destinadas simplesmente ao assentamento de agricultores – que se fará de acordo com a política nacional de reforma agrária vigente. Finalmente – Sr. Presidente – retiramos do parágrafo único a remissão prevista para recursos oriundos de bens de valor econômico apreendidos e expropriados em razão de trabalho escravo ou de produção de plantas psicotrópicas. Propusemos a criação de um fundo. A lei estabelecerá a destinação dos recursos dali oriundos. Sr. Presidente – é essa a base do acordo. Acreditamos que este texto – depois de aprovado na Câmara – será rapidamente aprovado também no Senado – de forma que integre a Constituição Federal ainda no ano de 2004. Parabéns a todos que operaram no sentido de que o acordo pudesse ser fechado. Saúdo especialmente o Deputado Paulo Rocha – precursor da matéria. Atendemos a uma demanda importante da sociedade brasileira.”
A então Deputada Kátia Abreu, hoje Senadora, expressamente destacou a concordância da bancara ruralista:
“A SRA. KÁTIA ABREU (PFL – TO. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente – não encaminharei contra. Fizemos um grande acordo. Se V.Exª. me permite – apenas gostaria de agradecer ao Deputado Tarcisio Zimmermann a mudança no texto original. O Deputado acatou minhas duas emendas – fazendo justiça também aos trabalhadores urbanos do Brasil. A lei estabelecia penalidade apenas para o patrão rural. Conseguimos proteger também o trabalhador urbano – acabando com o terrível preconceito de que apenas patrões rurais impunham o trabalho escravo. A outra emenda acatada garante aos produtores rurais e aos empresários urbanos o direito de defesa e assegura que a expropriação apenas poderá acontecer depois de transitado em julgado o devido processo. Agradeço aos Deputados e – em especial – ao Relator.”
E todos os Líderes de Partidos, inclusive do então PFL, do PL (Dep. Sandro Mabel, hoje no PMDB), do PP e dos demais partidos expressaram plena concordância com o acordo realizado com a bancada ruralista:
“O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha) – Vamos ouvir os Srs. Líderes? Como vota o PRONA? (Pausa.) Como vota o PV? O SR. EDSON DUARTE (PV – BA. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – o PV vota “sim” – entendendo que esta matéria significa um grande avanço para o País. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PSC? O SR. CABO JÚLIO (PSC – MA. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – o PSC vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PCdoB? O SR. DANIEL ALMEIDA (PCdoB – BA. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – esta matéria é de grande relevância. Alcançou-se um entendimento positivo. O Governo Lula tem feito um grande esforço para combater o trabalho escravo no Brasil. Estamos aprovando uma importante ferramenta para que essa batalha seja exitosa. O PCdoB vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PDT? O SR. DR. HÉLIO (PDT – SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – o PDT vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PSB? O SR. ISAÍAS SILVESTRE (PSB – MG. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – na qualidade de Presidente da Comissão – quero agradecer a todos os companheiros que se esforçaram para que – na noite de hoje – pudéssemos cumprir o compromisso que tínhamos com a Nação brasileira no sentido de expurgar o trabalho escravo do País. O PSB vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PRONA? O SR. ELIMAR MÁXIMO DAMASCENO (PRONA – SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – o PRONA vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PPS? Agosto de 2004 DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Quinta-feira 12 34661 O SR. JÚLIO DELGADO (PPS – MG. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – em atendimento ao acordo – o PPS acompanha os demais partidos e vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PL? O SR. SANDRO MABEL (Bloco/PL – GO. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – o PL encaminha o voto “sim” – com a certeza de que faremos uma lei para que não se tenha medo de produzir nem de assentar pessoas nas fazendas produtivas. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PSDB? O SR. EDUARDO BARBOSA (PSDB – MG. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – o PSDB participou do acordo e encaminha o voto “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PTB? O SR. ARNALDO FARIA DE SÁ (PTB – SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – o PTB vota “sim”. Aproveito para cumprimentar o Deputado Nelson Marquezelli pelo trabalho na costura do novo texto e registrar a grande luta dos Auditores Fiscais do Trabalho e do SINAIT na erradicação do trabalho escravo – principalmente da antiga Secretária do Trabalho – a Auditora Vera Olímpia. Quero registrar também triste fato acontecido em Unaí. Três Auditores Fiscais do Trabalho – Nelson José da Silva – Eratóstenes de Almeida Gonçalves e João Batista Soares Lage – e o motorista que os servia – Aylton Pereira de Oliveira – perderam a vida. Ressalto o brilhante trabalho feito pela Polícia Federal para a elucidação do caso. Os Auditores Fiscais do Trabalho merecem nosso cumprimento neste instante em que estamos votando a PEC que vai acabar com o trabalho escravo em nosso País. Devemos lutar não apenas para a erradicação do trabalho escravo – mas para que haja trabalho não escravo para todo o trabalhador brasileiro. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PP? O SR. ROMEL ANIZIO (PP – MG. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – nós que tanto combatemos o texto original contamos com a sensibilidade do Sr. Relator. Houve um amplo acordo em que foram ouvidos todos os segmentos desta Casa – e a matéria foi realmente aperfeiçoada. O PP vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PFL? A SRA. KÁTIA ABREU (PFL – TO. Pela ordem. Sem revisão da oradora.)– Sr. Presidente – o PFL foi contemplado quando o Relator acatou as nossas emendas. Agradeço aos Deputados Ronaldo Caiado – Asdrubal Bentes – Paulo Rocha – Abelardo Lupion e a todos os membros da Comissão – fundamentais para que chegássemos a esse grande acordo. Vamos acabar com o preconceito contra o campo e os trabalhadores urbanos e também garantir odireito constitucional do trânsito em julgado. O PFL vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PMDB? O SR. OSMAR SERRAGLIO (PMDB – PR. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – o PMDB deseja com satisfação registrar que – de certo modo – a reflexão que conduziu a este consenso teve origem em um voto em separado do Deputado Asdrubal Bentes – do Pará – que fez com que aquelas dificuldades que tínhamos e que agora se encontram ultrapassadas resultassem na construção desse amplo acordo. Dessa forma – afastadas as restrições que tínhamos – o PMDB encaminha o voto “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota o PT? O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT – SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – esta é uma votação que engrandece a Câmara dos Deputados. Quero cumprimentar os Líderes de todos os partidos e especialmente o nosso companheiro Deputado Paulo Rocha – que – em 1995 – apresentou a proposta inicial. Cumprimento também o Deputado Tarcisio Zimmermann – Relator da matéria nesta reta final. De resto – creio que fazemos justiça aos trabalhadores brasileiras. O PT vota “sim”. O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha)– Como vota a Liderança da Minoria? O SR. JOSÉ THOMAZ NONÔ (PFL – AL. Pela ordem. Sem revisão do orador.)– Sr. Presidente – é com especial satisfação – eu – que fui Vice Presidente da Comissão – que vejo chegarmos a bom termo e ao plano consensual. Reconhecemos o trabalho do Deputado Paulo Rocha – do Relator – Deputado Tarcisio Zimmermann – e de todos os que se envolveram na votação. Mas nós – da Minoria – queremos destacar o trabalho da Deputada Kátia Abreu – sobretudo na reta final – relativamente às duas emendas que foram – afinal – absorvidas pelo Relator. A Deputada figura como a nossa Princesa Isabel na votação de hoje. A Liderança da Minoria encaminha o voto “sim”.”
5. Desmistificando críticas injustas à PEC (que contou com o apoio da própria bancada ruralista na votação em primeiro turno)
5.1. A PEC trata somente de trabalho escravo, e não de trabalho degradante
O trabalho escravo, ou em condição análoga, caracteriza-se por relação que sujeite o trabalhador, independentemente de consentimento, a empregador, tomador dos serviços ou preposto, mediante fraude, violência ou ameaça, de quaisquer espécies.
Muitas vezes, o trabalhador fica impossibilitado de desligar-se do serviço em virtude de suposta dívida que teria com o empregador, ante a obrigação de utilizar mercadorias ou serviços fornecidos pelo próprio empregador. É infelizmente comum a imposição do uso de habitação coletiva insalubre, a retenção de salários, documentos pessoais ou contratuais, maus-tratos e grave sofrimento físico ou moral.
Ocorre com freqüência o recrutamento ou aliciamento do trabalhador mediante fraude, sem assegurar condições de seu retorno ao local de origem.
Convém derrubar o argumento de alguns dos deputados da bancada ruralista, de que o conceito de trabalho escravo seria demasiadamente amplo, e que a aprovação da PEC traria a possibilidade de se cometerem injustiças, expropriando-se terras em situações em que inocorre efetivamente trabalho escravo.
O conceito de trabalho degradante é distinto do conceito de trabalho escravo ou em situação análoga, e somente na segunda hipótese realizar-se-á a expropriação. O trabalho degradante, muito mais freqüente em nossa sociedade do que o trabalho escravo, merece ser devidamente punido, ainda que não através da expropriação. No trabalho degradante, não há a restrição ao direito de ir e vir do trabalhador, mas no entanto se constatam graves prejuízos morais ou físicos aos trabalhadores.
5.2. A redação aprovada em primeiro turno trata igualmente áreas urbanas e rurais
Ao contrário do que parte da mídia vem divulgando, a redação aprovada em 1º. Turno estende a expropriação às áreas urbanas. Foi incorporado ao texto da PEC a Emenda n. 2 apresentada na Comissão Especial, com tal objetivo.
Mesmo que tal mudança não tivesse ocorrido, ainda assim não haveria violação ao princípio da isonomia, por fazer referência originalmente a PEC às áreas rurais, e não às urbanas. Conforme corretamente destaca o Relator em seu parecer, o trabalho escravo em propriedade rurais ocorre com freqüência muito maior do que em áreas urbanas, o que justifica o seu tratamento em separado: “Outra peculiaridade é que nas áreas urbanas o espaço físico da propriedade (o galpão da fábrica ou oficina) não tem a mesma importância como fator de produção que tem a propriedade rural. Fator mais importante na fábricas e oficinas urbanas são as máquinas e equipamentos operados pelos trabalhadores e a legislação já permite o confisco dos objetos usados como instrumento para prática de crimes. Em razão dessas especificidades, pensamos que a discussão do combate ao trabalho escravo em áreas urbanas não deve ser embaraço para a aprovação imediata de medidas fundamentais para erradicação do trabalho escravo em propriedades rurais.”
Não há em nosso sistema constitucional um direito absoluto a tratamentos igualitários. Vedam-se somente distinções arbitrárias, conforme secular elaboração doutrinária. Os Tribunais brasileiros, a começar pelo STF, prestigiam essa visão, assentando: Tratamento desigual a situações desiguais mais exalta do que contraria o princípio da isonomia (HC nº 68416/DF, rel. Ministro Paulo Brossard, DJ 30/10/92)
No Brasil, a situação do trabalho escravo em propriedades urbanas e rurais é bastante diferenciada. Basta que se analisem os dados estatísticos. Abundam exemplos de trabalhos escravo nas últimas e quase não há registros nas primeiras. Ademais, a própria Constituição – conforme o texto elaborado pelo poder constituinte originário – já estabelece a base da distinção contida na PEC em análise. Verifique-se o atual art. 243 da Constituição. Ou a delimitação do que configura atendimento à função social da propriedade urbana (art. 182, § 2º, CF) e da propriedade rural (art. 186, CF). Aí estão as bases fática e jurídica para o tratamento desigual, por meio do qual se realizará o princípio da isonomia.
O trabalho escravo em propriedades rurais ocorre com freqüência muito maior do que em áreas urbanas, o que justifica o seu tratamento em separado. Todavia, fez-se necessária a aprovação da Emenda para viabilizar acordo com a bancada ruralista, que defendia a isonomia de tratamento entre imóveis urbanos e rurais. E tal mudança foi positiva, pois a extensão da possibilidade de expropriação aos imóveis urbanos fortalece os objetivos da PEC no sentido de erradicar o trabalho escravo no Brasil, seja em áreas urbanas, seja em áreas rurais.
De todo modo, a Emenda n. 2 foi acatada pelo Relator e inserida na matéria aprovada em 1º turno pelo Plenário, quanto a tal aspecto, esvaziando o discurso de parte da bancada ruralista.
5.3. Fundamentos para rejeitar Emenda postulando a necessidade de trânsito em julgado da sentença condenatória penal.
O Deputado Asdrúbal Bentes, em voto em separado apresentado perante a Comissão Especial, alegava que a PEC sob análise violaria os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, e da presunção de inocência.
Mostra-se tal alegação incorreta. A expropriação das terras em que se constata a existência de plantação de psicotrópicos já está prevista na Carta Magna atualmente, e os Tribunais pátrios não têm considerado tal expropriação atentatória aos princípios constitucionais supracitados.
Há que se destacar que o direito à vida e à dignidade da pessoa humana deve prevalecer sobre o direito ao lucro e à propriedade do proprietário que pratica o gravíssimo crime de trabalho escravo. Nesse sentido: “Reagindo a tais investidas do mundo capitalista globalizado, a CF/88, voltando-se para o atendimento primeiro, antes do lucro, das questões sociais, condicionou inclusive que o desenvolvimento da ordem econômica atenda em primeiro plano à função social da propriedade (arts. 5º, inciso XXIII, e 70, inciso II), por isso garantindo, além da dignidade ao trabalho humano (art. 1º, III e IV), o direito ao trabalho assalariado (art. 7º, incisos IV, V, VI, VII, X).” (SALVADOR, Luiz. Das garantias legais protetivas da saúde social dos trabalhadores para que possam obter emprego e retirar do trabalho o próprio sustento. Boletim Bonijuris Legislação Trabalhista, Curitiba, n. 242, jan. 2000).
Destaque-se também que a expropriação não será “automática”, nem virá por força de mero ato administrativo. Haverá processo judicial, com contraditório e ampla defesa (similar ao que prevê a Lei nº 8.257/91). Além disso, poderá o proprietário impugnar eventual decreto expropriatório por intermédio de ações judiciais autônomas (mandado de segurança, por exemplo), como é feito largamente nos casos de desapropriação para fins de reforma agrária.
A Justiça Federal fará o controle da legalidade do ato expropriatório, como ocorre com o atual art. 243 da Constituição (expropriação em casos de cultivo de plantas psicotrópicas).
Cabe refutar também a alegação de que se deveria aguardar o trânsito em julgado da sentença penal que reconhecesse o trabalho escravo, para proceder a expropriação. A regra no Direito brasileiro é a autonomia das instâncias cível e penal. A comunicabilidade é a exceção. O pressuposto e a finalidade das sanções cíveis e penais são diversos. Por exemplo, considere-se que a responsabilidade civil ambiental é objetiva, enquanto que a penal é subjetiva, de modo que um cidadão pode ser obrigado a indenizar um dano ambiental e ser absolvido do crime que lhe corresponderia. Do mesmo modo ocorre com ações judiciais por improbidade administrativa (cíveis) e ações penais.
Essa autonomia de instâncias punitivas é tradicional e salutar, pois evita sanções injustas e desproporcionais. Demais disso, minimiza situações de impunidade absoluta, por força da atuação paralela e concomitante de diferentes esferas do Estado (repita-se: com pressupostos e finalidades diferentes).
5.4. A PEC não viola o direito à herança
Foi apresentada na Comissão Especial a Emenda n. 3., que visava garantir a retenção de parte do bem a ser expropriado ou a sua compensação financeira em benefício do cônjuge e dos filhos menores que não tenham participado, direta ou indiretamente, das condutas que caracterizaram a exploração do trabalho escravo.
No que tange à alegação de que a PEC sob análise violaria o direito à herança, também mostra-se equivocada tal tese.
A expropriação em virtude do trabalho escravo obviamente exclui o direito de propriedade e é, portanto incompatível, com quaisquer efeitos decorrentes desse direito excluído, como a compensação financeira, o direito de retenção, o direito de herança, os ônus reais, etc., conforme destaca o Relator em seu Parecer: “Louvamos a preocupação da autora ao tentar preservar o bem-estar dos filhos e do cônjuge do criminoso. Lembramos, todavia, que havendo conflito aparente entre valores amparados constitucionalmente, cabe ao legislador sopesar esses valores, decidindo-se por aquele que mais peso tiver para a coletividade. Pensamos que, nesse momento, preservar a ordem constitucional é privilegiar a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e a função social da propriedade.” Nesse mesmo sentido se apresentam os trechos supracitados do autor Luiz Salvador, sobre a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana sobre o direito à propriedade.
Destaque-se o posicionamento de Ingo Wolfgang Sarlet, no mesmo sentido, declarando que “a relação entre a dignidade da pessoa humana e as demais normas dos direitos fundamentais não pode, portanto, ser corretamente qualificada como sendo, num sentido técnico-jurídico, de cunho subsidiário, mas sim, caracterizada por uma substancial fundamentalidade que a dignidade assume em face dos demais direitos fundamentais”`. (Dignidade da pessoa e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogados, 2001. p.103).
5.5. Suposta inexistência de definição de trabalho escravo na legislação brasileira.
Primeiramente, deve-se destacar que em dezembro de 2003, o art. 149 do Código Penal Brasileiro foi alterado, através da Lei nº 10.803, de 11.12.2003, dispondo expressamente sobre o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo.
“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”
Tampouco pode-se aceitar a argumentação de que o conceito de trabalho escravo deveria constar do texto constitucional. Essa é a lição do mestre Canotilho, eminente constitucionalista português:
“... a Constituição não foi, não é, não deve ser um codex totalizante da vida, não é e não deve ser uma lei exaustiva que converta o legislador ordinário em simples executor das normas constitucionais, não é nem deve ser um direito fechado, de impossibilidade de alternativas políticas versadas nos moldes normativos da legislação ordinária. O problema não se reconduz, como é bem de ver, uma simples questão de estilo. As normas técnicas, pormenorizadas e densas reduzem o espaço da liberdade de conformação do legislador. Através da juridicização técnico-constitucional torna-se a Constituição burocrática e administrativa, esvaziando o papel de legislador na fixação da disciplina normativa dinamicamente adaptada às necessidades políticas e sociais.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estilo e Norma Constitucional. In: Doutrina. Coord. por James Tubenchlak. V. 1. Rio de Janeiro. Instituto de Direito, 1996. p. 531).
Portanto, não há que prosperar o entendimento de que a emenda constitucional deva conter o conceito de trabalho escravo.
Destaque-se que, como já ressaltou o Relator Tarcísio Zimmermann em seu Parecer, que o trabalho escravo já está suficientemente descrito, tanto no dispositivo supracitado do Código Penal, quanto nas convenções internacionais, como a Convenção nº 29, a Convenção Suplementar de 1956 e a Convenção nº 105, toda da OIT.
A existência atualmente de definição suficiente para o trabalho escravo em nosso ordenamento jurídico, e a inadmissibilidade de conceituar o trabalho escravo na própria Emenda Constitucional, foi devidamente esclarecida pelo Relator do seguinte modo:
“Já no preâmbulo da Constituição Federal, o leitor interessado terá diante de si, dentre os fins e os valores que a constituição almeja alcançar e proteger, o exercício da liberdade, dos direitos sociais e individuais, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho O preâmbulo condensa as idéias-força políticas, jurídicas, econômicas e culturais da nossa carta. Essas idéias-força se desdobrarão em normas e princípios aos longo do texto constitucional. Dessa forma, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho tem guarida de pronto no art. 1º, II,IV da Constituição. O exercício das liberdades individuais vem protegido no caput e incisos do art. 5º e os direitos sociais ligados à pessoa do trabalhador estabelecidos no art. 7º da Carta. Nesse mesmo diapasão, a Constituição de 88 promoveu um avanço extraordinário na persecução de seus objetivos aos estabelecer, no art. 170, como princípio fundante da Ordem Econômica e Financeira, ao lado da propriedade privada, a função social da propriedade. E, com base nessa diretriz , dispôs sobre a desapropriação da propriedade urbana subutilizada (art.182, §4º III da CF), a desapropriação para fins de reforma agrária (art. 184) e a expropriação de terras utilizadas para cultivo ilegal de plantas psicotrópicas.(art. 243). O cotejo dessa legislação com os direitos e garantias individuais previsto no art. 5º e com os direitos sociais do trabalhador previstos no art. 7º da Constituição Federal permite aos órgãos de repressão, à comunidade jurídica e aos magistrados uma apreensão segura do conceito de trabalho escravo.”
6. Constitucionalidade, juridicidade, e técnica legislativa.
Não há óbices na PEC, em relação a tais aspectos. Mostra-se plenamente configurada a constitucionalidade, eis que está em consonância com diversos dispositivos constitucionais.
A Constituição Federal proíbe, em seu art. 5º, inciso III, declara que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. O art. 1º da Constituição Federal Brasileira a dignidade da pessoa humana, valor que a PEC defende, como bem juridicamente tutelado e como fundamento para a construção de um Estado Democrático de Direito.
O art. 1º da Constituição Federal Brasileira elenca dentre os princípios fundamentais da República a cidadania (inc. I), a dignidade da pessoa humana (inc. III) e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inc. IV). Dentre os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º) consta que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (inc. III), que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (inc. X), que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (inc. XIII), que é livre a locomoção (inc. XV), que ninguém será privado da liberdade ou de bens sem o devido processo legal, sem mencionar a proibição de prisão por dívida (inc. LXVII). O Brasil rege-se, ainda, em suas relações internacionais, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inc. II, da CF).
7. Conclusão.
Como vimos acima, o texto da PEC a ser submetido ao segundo turno na Câmara dos Deputados nada tem de polêmico ou controverso. Trata-se de consenso entre os Deputados de todos os partidos, inclusive da bancada ruralista.
É fundamental que os movimentos populares e toda a sociedade civil organizada se mobilizem para que haja um amplo quórum no dia da votação. Ao contrário de um projeto de Lei, em uma PEC ausências, abstenções e votos contrários são a mesma coisa, para fins práticos: são necessários 308 votos favoráveis para a aprovação em segundo turno, e para que seja dado passo significativo para extirpar de nossa sociedade a vergonhosa chaga do trabalho escravo.
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