O Estado de S. Paulo - 04/01/2012
Um documento clandestino de fevereiro de 1976 acusando 233 integrantes do regime militar de serem torturadores integra o acervo do líder comunista Luiz Carlos Prestes (1898-1990), doado ontem por sua família ao Arquivo Nacional, no Rio.
Entregue a Prestes, então exilado em Moscou, na segunda metade dos anos 70, por emissários do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o "Relatório da IV Reunião Anual" do organismo revela algumas surpresas. Uma delas: denúncias de tortura foram repassadas por militares dissidentes, que continuavam nas Forças Armadas, mas discordavam da ditadura de 1964. As 32 páginas datilografadas são apenas parte da documentação que era mantida por Prestes, catalogada pela família em sete pastas e cujo conteúdo será digitalizado e colocado na internet, à disposição de pesquisadores.
"Eu já vinha acumulando este acervo havia alguns anos. Depois da morte do Prestes, doei a maioria dos documentos para a Unicamp. E tem também um museu em Tocantins, onde eu mesma levei a escultura e montamos um museu. Fiquei três meses lá, pesquisando as cidades onde a Coluna (Prestes, movimento revolucionário da segunda metade dos anos 20) passou e ainda recolhendo muitos materiais de 1924, manifestos, jornalzinho, panfletos de quando a Coluna passou. Isso está tudo lá no museu", relatou Maria do Carmo Ribeiro, viúva do líder comunista. A lista com os supostos torturadores foi divulgada na segunda metade dos anos 70, pela imprensa alternativa, de oposição.
De acordo com Luiz Carlos Prestes Filho, o material doado tem documentos relativos à intensa militância internacional do seu pai, que mesmo exilado viajou por países do antigo bloco comunista e da Europa ocidental, denunciando a ditadura e pregando a redemocratização do Brasil. Um deles, de 1979, já em exposição no Arquivo Nacional, dirigido ao "companheiro Fidel Castro Ruz", então chefe de Estado de Cuba, pouco antes da Anistia encaminhava proposta de agenda para conversas entre delegações do PCB e do Partido Comunista Cubano, em março daquele ano, em Havana.
"É um material muito forte nos anos 70, do exílio", disse Prestes Filho. "Depois, tem coisas da volta dele, da última época em que atuou politicamente, do rompimento com o PCB e da atuação ao lado de (Leonel) Brizola (1922-2004). E tem o lado não político, com cartas de todos os filhos e netos e de papai para eles." Um dos pontos importantes do material pessoal, contou Prestes Filho, são cartas trocadas pelo líder comunista com o filho do primeiro casamento de Maria Ribeiro, que Prestes considerava como se fosse seu filho biológico. Morador, nos anos 70, em Cuba, Pedro - morto em 2011 - era porta-voz do comunista brasileiro junto a Fidel. O acervo também tem fotos do líder, como em uma reunião de família, em que aparece empunhando um violão, em 1984, e outra, tomando sol na Praia do Futuro, no Ceará, em 1989.
A divulgação dessa última imagem na imprensa irritou a historiadora Anita Leocádia Prestes, filha do primeiro casamento do líder comunista, com Olga Benário, comunista alemã entregue pelo Brasil, nos anos 30, aos nazistas. Olga morreu em um campo de concentração. A pesquisadora afirmou que seu pai não concordaria com a exposição pública de sua foto na praia, o que teria sido um "desrespeito" à memória e à vontade do líder comunista, "pois todos que com ele conviveram sabem que Prestes jamais concordaria com tal divulgação", afirmou em e-mail ao jornal O Globo. Maria Ribeiro reagiu. "A Anita não é dona do Prestes. Ela é uma estudiosa, uma professora dedicada à história, já fez vários livros sobre a Coluna, com depoimentos do Prestes e tudo. Ela não é dona dele. Tenho uma família com nove filhos, vivi com ele 40 anos, ela não pode se apossar de uma pessoa com quem nunca conviveu.""
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