terça-feira, 22 de novembro de 2011

MPT realiza pente-fino nas distribuidoras de energia contra terceirização (Fonte: Jornal da Energia)

"Objetivo é apurar relações de trabalho, principalmente em serviços relacionados à atividade-fim.
O Ministério Público do Trabalho está realizando uma ação nacional para coibir irregularidades no setor de distribuição de energia elétrica. Segundo o MPT, a operação "Alta Tensão" tem como objetivo adequar as relações trabalhistas do setor - classificadas pelo órgão como sendo, em alguns casos, semelhantes à escravidão. Na mira dos procuradores, para citar duas questões, estão o alto índice de terceirização das empresas e as extensas jornadas de trabalho.
De acordo com o MPT, a prática da terceirização de serviços considerados de atividades-fim é ilícita e tem graves consequências. Dados da Fundação Comitê de Gestão Empresarial (Fundação Coge) revelam que essa prática vem crescendo nos últimos dez anos e se reflete diretamente nos números de acidentes registrados em 2010. O relatório de estatísticas de acidentes no setor elétrico aponta que, no ano passado, a taxa de acidentes fatais entre os terceirizados foi dez vezes maior que entre os empregados - 69 casos contra sete. A principal causa das mortes foi a exposição a alta tensão.
Segundo o coordenador nacional contra fraudes trabalhistas, José de Lima, esse processo de terceirização nas concessionárias pode estar diretamente ligado ao número crescente de acidentes, “por causa de uma possível falta de treinamento dos profissionais por parte das empresas”.
No relatório, a média mensal de acidentes fatais entre as concessionárias é de 0,6, enquanto entre os terceirizados esse número sobe para 6 mortes. De 67 empresas pesquisadas, 50% possuem média anual de acidentes fatais acima do reconhecido pelo setor, que é 4,66 acidentes ano, destaca o MPT.
Os estados lideres em acidentes no setor elétrico são: Acre, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco, Tocantins, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, além do Distrito Federal.
Os números da Fundação Coge revelam que o total de trabalhadores terceirizados no setor (127,5 mil) supera o de empregados próprios: 104,8 mil. Dentre as empresas com indícios de contratação irregular de trabalhadores terceirizados estariam a Light (RJ), Eletropaulo (SP), Celpe (PE), Celpa (PA), Coelba (BA). Na Light, o número de terceirizados é duas vezes maior que o de contratados; já na Eletropaulo há 5.085 contratados e 6.682 terceirizados. Procurada pela reportagem, a Light respondeu que não vai se pronunciar sobre o assunto.

Ações Civis contra concessionárias
Na Bahia, após negociações frustradas com a Coelba para adequação do quadro de pessoal, o procurador Alberto Balazeiro ajuizou ação civil pública e já obteve decisão liminar da 16ª Vara do Trabalho de Salvador. A juíza Andréa Rocha determinou que todos os contratos para prestação de serviços na atividade fim da empresa sejam encerrados em 180 dias.
“Pedimos esse prazo para não haver argumento da empresa tentando derrubar a liminar. Em 180 dias é totalmente possível fazer novas contratações e realizar treinamento para os empregados”, destacou Balazeiro. O descumprimento acarretará em pagamento de multa diária de R$50 mil, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Na última sexta-feira (18/11) outra ação civil pública foi ajuizada, agora em Pernambuco, contra a Celpe. Segundo a procuradora que propôs a ação, Vanessa Patriota, além das irregularidades nas contratações da empresa, a fiscalização feita em conjunto com o Ministério do Trabalho apontou graves irregularidades na jornada diárias dos trabalhadores, caracterizando o trabalho análogo ao de escravo.
“Encontramos pessoas em atividades perigosas com jornada diária acima de 12 horas, muitas vezes sem equipamentos de segurança. Muitos dormiam em alojamentos precários com alimentação insatisfatória”, destacou Vanessa.
Segundo o MPT, a fiscalização encontrou alojamentos montados para a construção e expansão de rede no interior do estado de Pernambuco que não possuíam janela e nem ventilação. Muitos trabalhadores disseram que dormiam na copa e no terraço aberto, por não suportarem o calor dos quartos. Os fiscais encontraram ainda camas sem colchão, ou com colchões danificados e mofados. A jornada dos trabalhadores também era irregular. Alguns chegavam a permanecer 26 dias seguidos trabalhando, sem folga semanal, retornando às cidades de origem uma vez ao mês para descanso de quatro dias.
O MPT informou que as irregularidades na contratação de terceirizados na Celpe datam ainda da época em que a empresa foi privatizada. Segundo a procuradora, a maior parte dos empregados que se desligaram por meio de PDV (plano de demissão voluntária) foi recontratada após a privatização, com menores salários e maior jornada de trabalho. Hoje o quadro de terceirizados da Celpe representa 75% de toda a mão-de-obra da empresa.
A situação constatada na Celpe e na Coelba, somada ao recente relatório da Funcação Coge, abriu os precedentes necessários para o MPT tomasse a decisão de realizar um pente-fino em todo o País. Questionada sobre o impacto que essas contratações podem gerar nas empresas de distribuição, a procuradora foi categórica: "o custo para a sociedade é muito maior quando comparado aos que a concessionária terá ao arcar com as contratações".
O outro lado
Em entrevista ao Jornal da Energia, o assessor jurídico da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Braz Pesce Russo, disse que a questão da terceirização já se tornou uma "ideologia no setor". Para o advogado, a prática está assegurada em lei e tem como última finalidade contribuir para a modicidade tarifária.
Ele explica que o artigo 25 da Lei 8987/1996 autoriza as concessionárias de energia elétrica a contratar serviços de terceiros que sejam inerentes à concessão, com vistas a contribuir para a redução dos custos e, consequentemente, do preço da energia. Apesar disso, uma súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho diz que não é permitida a terceirização da atividade-fim. Para Russo, é aí que se encontra o "x" da questão, já que a atividade-fim de uma concessionária de energia é entregar eletricidade ao consumidor.
"A rede é considerada apenas um meio, inerente à concessão, portanto, passível de ser terceirizada de acordo com a lei. A poda de árvores, por exemplo, é um serviço para o qual não vale a pena a concessionária ter um quadro de funcionários, uma vez que a atividade é realizada esporadicamente", argumentou. "O que o MPT sustenta é que está lei [Lei 8987/1996] é administrativa, portanto, não tem conotação de relações trabalhistas. Ora, lei é lei. Se há uma lei, ela tem aplicação geral em todos campos da atividade jurídica."
Russo, no entanto, entende que o Ministério Público está apenas cumprindo seu papel. "Há uma pressão sindical muito grande", disse. Sobre a terceirização, Russo concorda que de uma forma geral - e não se referindo especificamente ao setor de energia, mas ao processo em si - "algumas injustiças podem estar acontecendo em alguns pontos"."

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