"Muitas ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho mineira denunciam, que no futebol brasileiro, é comum os clubes contratarem o atleta profissional por empresa jurídica interposta constituída pelo próprio jogador, com o intuito de mascarar direitos trabalhistas e previdenciários. Na 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, a juíza titular Jaqueline Monteiro de Lima se deparou com um desses casos. Ao julgar a ação proposta por um jogador de futebol contra o Clube Atlético Mineiro, a magistrada identificou a fraude praticada pelo empregador, concluindo que a contratação da empresa criada pelo atleta se deu com a finalidade de, por meio dela, o clube se livrar da obrigação de pagar o salário integral do empregado, diminuindo encargos trabalhistas e previdenciários. Por essa razão, ela declarou nulo o contrato. "Definitivamente o Direito do Trabalho não convive com aparências, nele prevalecendo o princípio da primazia da realidade", ponderou a julgadora.
Em sua ação, o jogador, que está incapacitado em virtude de acidente de trabalho, denunciou várias irregularidades praticadas pelo clube empregador, como, por exemplo, o pagamento incorreto do direito de arena e da parcela "bichos". O atleta relatou, ainda, que o clube simulou o pagamento de "luvas", no valor de R$597.585,76, sendo a verba denominada "direito de imagem", com promessa de pagamento em quatro parcelas, tudo com o intuito de afastar a natureza salarial da verba. Além disso, segundo o jogador, a parcela não foi quitada, não tendo sido descontados os cheques relativos às duas primeiras parcelas, a pedido do clube. Em sua defesa, o empregador sustentou que o "direito de imagem" foi contratado diretamente com a empresa do reclamante, não havendo responsabilidade do reclamado quanto ao fato de o jogador ter deixado os cheques prescreverem. Conforme enfatizou o clube, ainda que houvesse pedido de não apresentação dos cheques, competia ao atleta solicitar nova garantia, o que não ocorreu.
A magistrada explicou que as luvas são uma espécie de pagamento adiantado em razão da eficiência do atleta, representando o reconhecimento pelo desempenho e pelos resultados alcançados pelo profissional ao longo de sua carreira. Essa parcela está prevista no artigo 12 da Lei 9.615/76 (Lei Pelé) e não se confunde com o direito de imagem, que é relativo à personalidade e resulta da imagem de certas pessoas públicas, que aparecem muito na mídia. Na situação em foco, a julgadora entende que o clube não conseguiu comprovar a participação do reclamante em campanhas publicitárias ou similares, de modo a se cogitar de exploração da imagem do atleta. Para a magistrada, pouco importa o rótulo utilizado pelo empregador, já que tanto a parcela de ¿luvas¿ como a de ¿direito de imagem¿ ostentam natureza salarial diante da realidade dos fatos comprovados no processo. Por esses fundamentos, a juíza sentenciante declarou nulo o contrato, reconhecendo a natureza salarial da parcela luvas, paga "por fora".
De acordo com a magistrada, o clube agiu com culpa ao permitir o trabalho em condições inseguras, tendo exigido a atuação do jogador durante um ano, mesmo após ele ter sofrido grave lesão na coluna, o que agravou ainda mais seu estado de saúde. E, apesar de a perícia ter apontado vários fatores como possíveis causas da doença, a juíza entende que o laudo pericial deixou claro que as atividades exigidas pelo clube contribuíram para o agravamento do quadro clínico do reclamante. Por essas razões, ela condenou o clube ao pagamento de uma indenização por danos morais, fixada em R$100.000,00, além de uma indenização por danos materiais, no valor de R$110.000,00. A condenação inclui ainda uma indenização relativa ao seguro desportivo, correspondente ao valor total anual da remuneração do reclamante, diferenças devidas pelo direito de arena, reflexos da parcela "bichos" em 13º salários, férias com 1/3 e depósitos de FGTS, entre outros direitos reconhecidos na sentença. Há recurso interposto pelo clube aguardando julgamento no TRT mineiro.
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