"Entrevista: Candidato petista à presidência da Câmara defende a desoneração da folha de pagamentos
Ruy Baron/Valor
Marco Maia: “Penso em conduzir os trabalhos olhando para os interesses maiores da sociedade, ouvindo todos os setores e construindo os consensos”
Marco Maia: “Penso em conduzir os trabalhos olhando para os interesses maiores da sociedade, ouvindo todos os setores e construindo os consensos”
Caio Junqueira | VALOR
O maior objetivo do petista gaúcho Marco Aurélio Spall Maia, 45 anos, uma vez eleito presidente da Câmara no dia 1º de fevereiro, é conciliar os interesses do Palácio do Planalto na Casa durante o primeiro ano de governo da presidente Dilma Rousseff com os anseios de deputados que há tempos assistem seu campo de atuação sobreposto pela agenda do Executivo. Para atingir essa meta, o primeiro passo foi dado em dezembro, quando costurou o apoio à sua candidatura dentro do partido e desbancou o favorito, o líder do governo Cândido Vaccarezza (SP).Agora, trabalha para não haver adversários na disputa de modo que possa ser eleito e tocar a agenda governista no Legislativo – como a reforma tributária -, sem deixar de atender ao desejo dos parlamentares aliados e da oposição por maior independência. A redução de edições de medidas provisórias e a maior aprovação de projetos de iniciativa de deputados são citadas, além da “democratização” na distribuição dos cargos da Câmara, reivindicação que sustenta sua candidatura e lhe garantiu, por ora, o apoio de boa parte de deputados da base aliada ao governo e da oposição.
Natural de Canoas (RS), onde iniciou há mais de 20 anos sua trajetória no meio sindical e desempenhou cargos diretivos no Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas, na Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, na CUT-RS e na Confederação Nacional dos Metalúrgicos, Maia garante que, ao sentar-se na terceira cadeira mais importante da República levará consigo apenas o que considera a maior habilidade conquistada na longeva atuação sindical: o diálogo. “Não podemos fazer com que os interesses corporativos se sobreponham aos interesses maiores da sociedade”, disse, nesta entrevista ao Valor.
Defendeu ainda a desoneração da folha de pagamento, mas recusou alterações na legislação trabalhista que impliquem a perda de direitos de trabalhadores. A seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: A sua eventual eleição para a presidência significa a manutenção do sindicalismo no poder?
Marco Maia: Não posso de forma alguma negar minha origem. Vivi e convivi muito com o movimento sindical e tive uma atuação destacada em defesa dos trabalhadores, o que me deu muita experiência e muita condição de diálogo, porque conheço o mundo do trabalho e também o mundo empresarial. Já fui secretário de Administração do Rio Grande do Sul. Fui presidente de uma empresa pública (Trensurb, a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre) com 1,5 mil funcionários na qual, com três meses no cargo, enfrentei uma greve de oito dias que atingiu toda a região metropolitana de Porto Alegre. Tive a oportunidade de viajar muito, conheço mais de 60 países, participei de negociações com as maiores empresas do mundo, acompanhei acordos coletivos realizados dentro e fora do Brasil envolvendo milhares de trabalhadores. Convivi tanto de um lado quanto de outro da mesa e pude compreender os limites, desafios e potencialidades que estão colocados nesse debate entre capital e trabalho e que, muitas vezes, não são antagônicos. Chegam a dialogar e caminhar na mesma direção.
Valor: Sua longa atuação sindical não pode marcar sua gestão pelo privilégio de interesses da classe no caso de o senhor ser eleito?
Maia: Ela pode possibilitar a condução do trabalho de forma equilibrada, consensuada, dialogada e olhando para o interesse do país e da sociedade. Todo homem público, tendo origem no mundo do trabalho ou empresarial, ao se colocar à frente de um posto como a presidência da Câmara, tem que olhar para o futuro, para os interesses da nação e do país. Portanto, os interesses corporativos, neste caso, ficam muitas vezes de lado. Não podemos fazer com que os interesses corporativos se sobreponham aos interesses maiores da sociedade. Penso em conduzir os trabalhos na Câmara dentro dessa visão, olhando para os interesses maiores da sociedade. Isso me dá condições objetivas de afirmar que, se eleito, vamos produzir um bom trabalho, sério, ouvindo todos os setores e construindo os consensos que fortaleçam o país.
Valor: Qual a agenda prioritária da Câmara?
Maia: O grande tema que vamos precisar olhar é a reforma tributária. Ela significa dar uma condição melhor para que Estados, municípios e a sociedade possam entender melhor a distribuição dos recursos. Depois, vamos depender muito de como o governo vai pensar suas ações para este período. Teremos, na verdade, uma pauta muito voltada às grandes questões nacionais e internacionais, como política de proteção a essa guerra cambial. E também os temas pautados pelos deputados. Acho que antes de nos preocuparmos em resolver única e exclusivamente as demandas do governo, precisamos também olhar a nossa produção legislativa, que a Câmara acaba deixando muito aquém do que poderia fazê-lo. Não é possível termos deputados que passam anos na Câmara sem ver aprovado um projeto de sua autoria. Temos que construir as condições para que a ação parlamentar seja valorizada.
Valor: Como fazer isso?“Capital e trabalho, muitas vezes, não são antagônicos. Chegam a dialogar e caminhar na mesma direção”
Maia: É preciso dialogar permanentemente com o governo no sentido de reduzir ao máximo o número de medidas provisórias, sem tirar do Executivo seu papel de executar algo com mais rapidez e celeridade. Precisamos criar essa cultura, sem criar regras pré-estabelecidas. A segunda questão é trabalhar a própria cultura da Câmara, há um certo trancamento da pauta que acaba inviabilizando a tramitação das matérias que são de interesse dos próprios deputados. Temos que mudar um pouco a cultura da Casa, dar um ritmo mais célere e efetivo para as votações. Às vezes a pauta fica trancada durante semanas em função de uma MP que depois é aprovada. Mas nesse período deixamos de aprovar uma matéria de interesse da sociedade e dos parlamentares. Temos que criar uma consciência de que o fato de ir limpando a pauta vai dar condições para que mais matérias dos deputados possam ser votadas pelo plenário.
Valor: Pesquisa Sensus da semana passada apontou que a população defende uma reforma trabalhista. O senhor também?
Maia: Toda vez que se faz uma pergunta muito genérica ela pode te dar uma dupla interpretação. Tenho certeza de que o trabalhador, quando enxerga uma reforma trabalhista, está olhando no sentido de agregar mais direitos. Já o empresário enxerga a possibilidade de mudanças que lhe permitam uma flexibilização maior dos direitos. Uma pesquisa dessa natureza precisaria entrar mais na essência para ver qual a compreensão que os entrevistados têm sobre a profundidade de uma reforma trabalhista.
Valor: O senhor é a favor de uma reforma trabalhista que, por exemplo, desonere a folha de pagamento?
Maia: Temos que trabalhar com duas coisas diferentes. Reforma trabalhista é uma coisa, desoneração da folha é outra. Sou favorável á desoneração porque acho ela muito pesada para o trabalhador e o empresário, que acaba pagando muito. Isso impede muitas vezes a formalização de mais pessoas no mercado de trabalho. Com a desoneração, todo mundo ganha, pois a formalização é maior. E quanto mais formal o emprego, mais ganha a empresa, o trabalhador e o governo. Com relação à reforma trabalhista, aí temos que entrar no detalhe. Mas ninguém em sã consciência será contra um direito adquirido.
Valor: O governo deve iniciar com forte ajuste fiscal. O senhor prevê problemas com as categorias que querem manter uma política de aumentos salariais neste mandato?
Maia: Os servidores públicos foram muito felizes com o governo [Luiz Inácio] Lula [da Silva]. Óbvio que vamos precisar de ajustes na economia, nos gastos públicos neste primeiro ano. Embora seja uma continuidade, é um novo governo que vai ter que olhar um pouco o mercado, a conjuntura internacional e como a sociedade vai perceber o governo. Então é natural que tenhamos no primeiro ano uma atenção maior sobre quais os rumos que serão conduzidos os gastos públicos e a economia brasileira. Mas na minha avaliação, nada que não possa ser superado com um bom diálogo, uma boa conversa, um bom debate entre o Parlamento e o governo sobre os rumos que vamos dar ao país .
Valor: Por que os deputados devem votar no senhor para presidente da Câmara?
Maia: Queremos trabalhar com a concepção de transparência em todos os sentidos. Para a sociedade e também para dentro da Casa. Os atos da presidência, as ações, a distribuição das relatorias nas comissões. Tudo isso deve ser feito de forma dialogada, equilibrada e transparente, para que os deputados possam perceber as oportunidades que estão colocadas para eles de trabalho de atuação dentro da Casa.
Valor: O senhor acha que é a falta de transparência nas decisões internas que tem propiciado o surgimento de uma candidatura alternativa, como a de Aldo Rebelo (PCdoB-SP)?
Maia: A politica é inerente à atuação parlamentar e por isso é legítimo que os parlamentares pretendam disputar os espaços na Casa. Não vejo nenhuma afronta a quem queira disputar qualquer cargo da Mesa Diretora. É legítimo. E isso surge a partir dos motivos mais variados possíveis. Não acredito que, no caso específico, seja uma questão ideológica ou de diferenças politicas muito contundentes. Ao contrário, acho que está colocada essa coisa que é o papel da Câmara de fazer política, debater, se apresentar para ocupação dos espaços políticos.
Valor: Mas há riscos na sua candidatura?“O PT é o partido da presidente, então terá uma responsabilidade maior para tentar construir os acordos para a votação”
Maia: Minha convicção é que chegaremos no dia 1º de fevereiro com uma construção que permita à Câmara ter uma chapa consensuada e que represente os interesses da maioria dos partidos ou de todos os partidos políticos representados aqui na Casa. O importante não é apenas saber quem está colocado em cada um dos espaços, mas que todos estejam atendidos nas suas demandas e reivindicações e que todos saibam que, daqui para a frente, terão espaços de forma igual, de acordo com o resultado que tiveram nas urnas.
Valor: Uma reclamação constante é sobre o baixo índice de empenho e execução das as emendas parlamentares. Qual sua opinião sobre isso?
Maia: Sou defensor de que emenda apresentada seja emenda paga. É muito ruim quando elas não são nem empenhadas ou pagas. O governo deve ter esta preocupação de viabilizá-las.
Valor: Com o orçamento impositivo?
Maia: Não diria impositivo. Temos que caminhar para um sistema em que a emenda que foi apresentada seja obrigatoriamente efetivada para não criar um problema de o deputado receber uma demanda da sua base, apresentar uma emenda a partir dessa demanda, criar expectativa na base e o governo depois não empenhar ou não dar efetividade à emenda. Temos que buscar um caminho que nos garanta que aquilo que for coletivamente discutido, que for tratado no Orçamento como sendo emenda de um parlamentar, seja efetivamente cumprido pelo governo.
Valor: O que muda na relação do Congresso com o Palácio?
Maia: Óbvio que Lula e Dilma não têm a mesma forma de auscultar e dialogar com a política. Lula é mais espontâneo, talvez mais vinculado ao mundo da política. Dilma é mais técnica, mais executora do que propriamente alguém articulada com o mundo da política. Mas isso não vai trazer prejuízo algum, porque ela aprendeu muito nessa convivência com o presidente Lula. Não acredito que ela terá nenhuma dificuldade de relacionamento com o Parlamento e o mundo da política aqui no Congresso.
Valor: Mas já na transição houve atritos com os aliados.
Maia: É normal que nesse momento de composição haja disputa. É como se fosse uma negociação salarial, entre patrão e empregado. O trabalhador sempre pede reajuste maior do que ele efetivamente acredita que possa levar no final da negociação. E o empresário sempre apresenta uma proposta menor do que aquela que efetivamente acha que possa conceder no final da negociação. Então esse momento é de tensão mesmo. Ali na frente as coisas vão se ajustando e não tenho duvida de que haverá um grande acordo onde todos vão se sentir minimamente contemplados com o governo da Dilma.
Valor: O PT terá um papel maior do que no governo passado?
Maia: O PT é o partido da presidente, então terá uma responsabilidade maior para tentar construir os acordos para a votação das matérias de interesse dos governos. Mas obviamente que a construção do governo Dilma olha para dentro do Congresso tentando compor maioria capaz de lhe garantir a tranquilidade que ela necessita para a votação das matérias de interesse do governo. Dilma sai desse processo muito fortalecida dentro da Câmara e com uma boa base de sustentação aqui.
Valor: O senhor é do mesmo Estado que a presidente. Vocês sempre estiveram no mesmo grupo político no Rio Grande do Sul?
Maia: Esse é um assunto que já saiu na imprensa de tudo um pouco. Em 2002, quando o PT resolveu realizar uma prévia para definir quem é que ia ser candidato a governador, o Tarso Genro resolveu disputar com o Olívio Dutra. Eu fiquei com o Olívio, pois era secretário dele. A Dilma também ficou com o Olívio, pois também participou do governo como secretária de Minas e Energia. Ela havia se filiado ao PT dois anos antes, quando seu partido anterior, o PDT, deixou o governo. Depois, em 2006, o Olívio foi candidato de consenso do partido. Todos o apoiaram. Mas em 2008 estivemos em lados opostos. Na prévia para a disputa municipal, as principais lideranças – Tarso, Olívio, Dilma – apoiaram o Miguel Rossetto. Eu apoiei a Maria do Rosário.
Valor: Mas qual a sua relação com ela?
Maia: Nunca teve tensão minha com a Dilma. Nós trabalhamos juntos no governo do Olívio. De 2002 pra cá, nós não trabalhamos em nenhum outro momento juntos, a não ser quando eu fui presidente da Trensurb e ela era ministra de Minas e Energia. Mas uma coisa não tinha a ver com a outra. Nunca nos cruzamos. Voltei a ter contato com a Dilma agora quando ela estava na Casa Civil e eu deputado. Nosso contato sempre foi o mais tranquilo, sem nenhum problema."
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