Valor Econômico - 29/02/2012
As grandes greves feitas pelo movimento sindical na fase final do regime militar voltarão hoje à pauta da Comissão da Anistia. O julgamento ocorrerá em Camaçari, onde, em 1985, uma paralisação travou as operações das empresas instaladas no polo petroquímico local. O caso é considerado pelo governo um dos marcos da união entre as lutas do movimento sindical e de resistência à ditadura, mas tem também um componente político mais contemporâneo. A base sindical e a trajetória política do governador da Bahia, Jaques Wagner - o mais próximo da presidente Dilma Rousseff - e de alguns dos seus aliados tiveram origem no episódio.
Serão analisados pela Comissão da Anistia, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, 109 processos de ex-operários do Polo Petroquímico de Camaçari. Os trabalhadores alegam que foram retaliados pelas empresas por participarem do movimento grevista de 1985, pois foram demitidos e incluídos numa "lista negra" que lhes fechou as portas do mercado de trabalho.
"O importante é que o caso é revelador de um momento da nossa história, quando o movimento operário se une à luta política e ao movimento de resistência para a derrubada da ditadura", explicou ao Valor o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior. "Representa o momento do encontro do movimento operário com a luta pela redemocratização."
Essa é a segunda vez que a Comissão da Anistia analisa o caso. A primeira foi em 2008, quando a totalidade de aproximadamente 200 processos não chegou a ser julgada. Além disso, alguns pedidos de indenização foram indeferidos naquela ocasião, pois a Comissão de Anistia concluiu que parte das demissões ocorridas no período e que constavam dos processos não foi motivada diretamente pela greve.
Seus autores então apresentaram recursos ao colegiado, os quais serão julgados hoje. Alguns requerentes conseguiram provar que, apesar de recontratados devido a ordens judiciais, logo depois foram dispensados novamente. "A comissão entendeu que foi uma burla à reintegração", comentou Paulo Abrão.
Os anistiados receberão em média uma reparação mensal de R$ 1,3 mil, mais um valor retroativo que varia em cada caso. O montante, no entanto, tende a ser considerado insuficiente pelos beneficiados, os quais alegam que o salário médio da categoria é superior.
Há casos, porém, que os recursos serão rejeitados. Alguns "anistiandos" não conseguiram comprovar que suas demissões foram provocadas por suas supostas participações na greve, como um operário que só foi demitido mais de três anos depois do episódio.
Segundo parecer da Comissão da Anistia, naquela época o Polo Petroquímico de Camaçari reunia, por exemplo, as empresas Acrinor, Copene, Copenor, Estireno, Pronor, Melanima Ultra S/A, Metanor, Nitrocarbono, Nitroclor e Polialden. Em 1972, um decreto considerou o local uma área de segurança nacional, pois tratava-se de um empreendimento estratégico para o regime e a indústria nacional.
Apesar de divisões entre sindicalistas e esforços do governo e das empresas para enfraquecer o movimento grevista, os trabalhadores passaram a reivindicar isonomia salarial com os funcionários de outros polos da região Sul e Sudeste. Assim, a campanha culminou com a greve geral de 1985. De acordo com a Comissão de Anistia, a paralisação durou 16 dias e é considerada a primeira greve geral de um Polo Petroquímico do mundo.
Na época, trabalhadores e empresários travaram uma disputa judicial. Os operários conseguiram o reconhecimento da legitimidade da greve na Justiça do Trabalho. Em contrapartida, as empresas obtiveram uma liminar de reintegração de posse na Justiça comum. Na sequência, as empresas passaram a demitir alguns dos envolvidos na greve.
"Não houve ganhos políticos e nem econômicos para os grevistas. Pelo contrário, num balanço geral, enquanto os empregadores, de posse do controle das empresas, retomavam a produção das fábricas e ainda efetuavam demissões, desconsiderando a decisão da Justiça do Trabalho que decidiu pela legalidade da greve, de outro se encontravam os ex-empregados que haviam sido demitidos arbitrariamente, sob o manto da justa causa", avaliou a Comissão de Anistia em um relatório.
A abertura do julgamento deve contar com a presença do governador da Bahia e parlamentares. O ouvidor-geral do Estado, Jones Carvalho, é autor de um dos pedidos de anistia política que serão analisados."
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