terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O único discurso válido para o movimento sindical é ‘nenhum direito a menos’, diz juiz do Trabalho

Hugo Filho defendeu a unidade entre os movimentos
como única saída para vencer a onda conservadora
O juiz do Trabalho Hugo Cavalcanti Filho participou do segundo dia do curso “Os desafios para a intervenção política e sindical: teoria e prática", que a Advocacia Garcez promove em São Paulo, e em sua aula abordou o papel do Judiciário no golpe e os caminhos do movimento sindical na resistência.

Para o magistrado, é inadmissível qualquer negociação com o governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB) porque nunca tratará de ampliação de conquistas, mas de diminuição de prejuízo.

“Como podemos
reconhecer esse governo e a ordem jurídica que impõe? Estou assistindo estupefato as centrais propondo negociar reforma trabalhista, privatização e negociado sobre legislado. Só há espaço de negação, de não aceitar mudanças que precarizam condições de trabalho.”

Para ele, a terceirização, que classifica como uma fraude para burlar direitos trabalhistas e que não deveria ser aceita pelas centrais sindicais, o PPE (Programa de Proteção ao Emprego) e o negociado sobre o legislado são exemplos de como as organizações sindicais precisam rever seu parâmetro de negociação.

“É um absurdo admitir que o empregador pague 30% menos de salário em troca de uma suposta manutenção do emprego. Primeiro, porque parte do valor é financiado pelo FAT, que é recurso dos trabalhadores, portanto, são eles mesmos pagando para trabalhar. Segundo, porque é uma porta aberta para a redução do salário e precarização. E o negociado sobre o legislado é o penúltimo estágio do avanço neoliberal, o último é a negociação direta entre patrão e trabalhador”, definiu.

O que fazer

Ao apontar como deve ser a reação das forças progressistas diante do avanço conservador e fascista no país, Hugo Filho aponto a importância da reação dessas forças para a movimentação da sociedade diante da retirada ininterrupta de direitos pelos golpistas.

“A reforma da Previdência é um bom exemplo de como as pessoas estão
normalizando anormalidades. Isso só acontece porque as pessoas estão anestesiadas. E só estão anestesiadas porque o movimento sindical não mobiliza mais E o movimento sindical não mobiliza mais porque passou os últimos anos mergulhados no neocorporativismo. Os outros movimentos que têm mais visibilidade se mantiveram muito mais atuantes, não suspenderam a estratégia de luta”, comparou.

Como outros palestrantes do primeiro dia, ele também defendeu a alteração da estrutura sindical por meio da aprovação e regulamentação da Convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) – que trata da liberdade sindical e do direito à sindicalização –, da mudança no financiamento das organizações e o fim da unicidade por base territorial.

Segundo o magistrado, as mudanças que visam fortalecer os movimentos devem vir acompanhadas de um processo de articulação para amalgamar a esquerda brasileira.

“O movimento tem de ser anti sistêmico, porque se existe só para pressionar governo, não só reconhece esse governo, como também referenda a ordem jurídica por ele implementada.”

Judiciário golpista – O certo é que, na avaliação do juiz, a mudança não virá do Judiciário, tampouco trabalhista, que cada vez menos se alinha à classe trabalhadora.

“O perfil do juiz do trabalho de 20 anos já não se observa hoje com as mudanças nas regras de admissão. Quem é militante sindical não ingressará na Justiça do Trabalho e isso vai desviando o perfil do juiz especialmente na perspectiva ideológica. Quando ele veste toga, não se despe da ideologia que tem.
Quem está ingressando vai muito mais por remuneração boa do que para cumprimento da vocação.”

Em outras instâncias, a situação é ainda pior, comenta, com o alinhamento direto aos interesses da elite.

“O poder politico e Judiciário caminharam juntos na destruição da Constituição de 1988 e o Judiciário teve participação decisiva no golpe que ainda está em curso. Depois do impeachment, quantas foram as decisões nocivas aos trabalhadores tomadas no governo e pelo Supremo golpista? O fim da ultratividade, a prevalência do negociado sobre o legislado, terceirização ampla e irrestrita são pautas tanto do Legislativo, quanto do Judiciário, como se o STF (Supremo Tribunal Federal) apostasse corrida com parlamento para ver quem precariza primeiro”, criticou.

Falta estratégia aos movimentos sociais para chegar à população e pressionar Executivo e Legislativo

Garcez e Chalreo durante mesa na manhã do segundo
dia do encontro promovido pela Advocacia Garcez
A ascenção de governos conservadores no mundo todo significa um ataque cada vez maior aos direitos trabalhistas. Em um mundo onde o Estado tem cada vez menos poder frente às empresas transnacionais, como o movimento sindical encontra espaços parar avançar?

Essa foi a pergunta que norteou a abertura, nessa terça-feira (7), do segundo dia do evento "Desafios para a intervenção política e sindical: teoria e prática", realizado em São Paulo.

O advogado Maximiliano Nagl Garcez lembrou de sua experiência como assessor parlamentar e criticou os movimentos sindicais que "não estão sabendo onde e como agir".

"É preciso ter inteligência pra agir. Por exemplo, fazer mobilizações nas cidades onde os deputados tem mais votos pode ser mais efetivo do que levar muita gente até Brasília", criticou

Você não avança se não reconhecer seus erros
O presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB-RJ Marcelo Chalreo fez um panorama da situação do campo progressista brasileiro após o golpe contra a presidenta eleita Dilma Rousseff.

Para ele, a  reconstrução das bases de um movimento sindical brasileiro "é tarefa de uma geração".


"O impeachment aconteceu porque a base de apoio de Dilma ruiu com o tempo, devido às ações e omissões do governo com essa parcela da sociedade", afirmou. Para ele, a esquerda brasileira "não vai avançar se não reconhecer seus erros".

Para se aproximar dos jovens, movimento sindical deve aprender a ouvi-los

Em outubro de 2016, a estudante paranaense de 16 anos, Ana Júlia Ribeiro, viralizou na internet com um vídeo em que encarava os parlamentares da Assembleia Legislativa do Paraná para pedir que os alunos das escolas ocupadas fossem ouvidas.

Quatro meses depois, às vésperas da votação da Medida Provisória 746/16, norma que promove a reforma do ensino médio e foi estopim do movimento que tomou todo o país, ela virou uma referência para a esquerda tão carente de utopias.

Algo fácil de perceber pela quantidade de fotos que tirou com advogados e sindicalistas, a maioria com o dobro de sua idade, mas que veem na menina e no movimento uma fio de esperança para dobrar tempos conservadores, carentes de lideranças, especialmente as mais jovens.

Ana fechou o primeiro dia da etapa paulista do curso “Os desafios para a intervenção Política e Sindical: Teoria e Prática”, que a Advocacia Garcez promove em sua sede na capital.

A militante do movimento apontou que, se os movimentos sociais realmente presente buscar a renovação e uma nova forma de dialogar com as bases, como muitos apontaram durante todo o dia, o primeiro passo é pensar um modelo de organização descentralizado e mais plural.
"As ocupações têm desconstrução muito grande de cultura conservadora. Quem está na frente são minorias, mulheres,negros e negras, LGBTs batendo de frente com a onda conservadora. Mostra um aspecto muito importante de passar a ser visto como sujeito, aqueles que devem e podem ser escutados, que têm como opinar de maneira consciente”, pontuou.

Uma batalha que, segundo ela, deixou claro que os adolescentes estão preocupados com a situação do país e buscam um processo de formação que foge dos padrões adotados pelas principais entidades.  

“A ideia de alienação já deveria ter sido desconstruída porque o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê os adolescentes como sujeitos. O governo achou que ia aprovar tudo que quisesse, como quisesse e achou que não ia ter resistência. Mas os secundaristas levantaram a cabeça e disseram aqui não, vai ter que nos escutar e vamos te dar dor de cabeça.”

A indignação dos estudantes, afirmou explodiu diante do rolo compressor que pretendia e pretende piorar o que já é ruim.

“Isso aconteceu porque a gente já vive em uma escola precarizada, vive num ambiente que não é propício para produção de conhecimento e aí vem uma proposta que precariza ainda mais. Amanhã é um dia triste, mas também um dia de resistência. Não é por conta da votação  da MP que a luta e a resistência acabam. Agora vamos nos mobilizar para que as medidas não sejam implementadas na escola”, explicou.

Crise de representatividade


Segundo ela, o movimento também deixou claro que a crise de representatividade se aprofundará, caso os movimentos tradicionais não revejam sua relação com organizações autonomistas.

“Sou autonimista, não integro nenhuma organização, valorizo a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), mas estão dentro de uma bolha e não conseguem enxergar as escolas. Por isso os movimentos das escolas promovidos por autônomos tem dificuldade nessa relação. Os e
studantes entendem a importância dessas entidades, mas não se veem reconhecidos por elas”, falou.

Uma visão muito semelhante a que tem do movimento sindical, ainda distante da luta sem protagonistas dos secundaristas.


“No Panará, a APP Sindicato (Sindicato Estadual dos Professores) ajudou  bastante e hoje enfrenta mais de 10 mil processos. A categoria de professores, como um todo, no país, não. Sei de locais em que sindicatos não ajudaram nem com vaquinha de ônibus porque o coletivo não fazia parte da base deles. Os sindicatos dos professores deveriam ter uma participação, mesmo que não fossem ter protagonismo. Porque o estudante se vê como trabalhador, mas não se identifica com o sindicato. É preciso ver como mensagem do sindicato está sendo passada, o que a juventude quer e do que está indo atrás”, ensinou a estudante.