"A Bahia vivia os tempos do carlismo. Antes que o PFL virasse DEM, Antônio Carlos Magalhães, então governador baiano, era um poderoso integrante da Arena, colaborador da ditadura que vivia seus últimos dias. Em 1984, os trabalhadores do polo petroquímico de Camaçari já haviam tentado promover uma greve, mas ela só “pegou” mesmo entre agosto e setembro de 1985. E a repressão pegou ainda mais.
Cem trabalhadores demitidos por justa causa pelas empresas do núcleo produtor de derivados de petróleo após o movimento terão os casos julgados hoje (29) pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Eles podem receber a reparação financeira pelos problemas causados nas décadas seguintes, e terão o direito de ouvir do Estado brasileiro um pedido de desculpas por seus erros. Embora o episódio pontual tenha ocorrido logo após o término do regime de exceção, a anistia política pode ser concedida a todos que tenham sido vítimas de perseguição entre 1946 e 1988, encerrando-se o período com a promulgação da Constituição.
“A gente fica aliviado, mas também estou triste. Fizemos um trabalho, lutamos pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, e sofremos muito”, recorda o operador José Carlos Bahiana Machado Filho, demitido em dezembro daquele ano, que até hoje vive de bicos. Os processos, encaminhados individualmente a Brasília, serão julgados de uma só vez pela Caravana da Anistia, montada há quatro anos como forma de levar a discussão sobre a herança do regime autoritário a vários cantos do Brasil.
A cerimônia desta quarta é, também, um reflexo das mudanças pelas quais passaram a Bahia e o Brasil. A presença do governador Jaques Wagner (PT), ex-sindicalista, mostra que os tempos do carlismo passaram. O prefeito Luiz Carlos Caetano (PT) foi líder estudantil e integrou a diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE). Mas, para Machado e alguns dos outros demitidos à época, a ditadura não acabou. “A perseguição foi no Brasil todo. Muita gente foi para outros estados procurar emprego, mas era uma lista negra nacional”, afirma, em referência a um documento do Serviço Nacional de Informações que incluiu a centena de trabalhadores demitidos em Camaçari.
O conselheiro Nilmário Miranda, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, participará de sua primeira caravana como integrante da comissão, e considera que o fundamental do julgamento é exatamente a reparação política. “É importante colocar todo mundo junto, lembrar do episódio. Isso faz parte da reconstrução da história. É uma cerimônia muito bonita porque, no fundo do coração, o episódio está engasgado. Quando tem a anistia e o Estado se desculpa com as pessoas, isso tem um impacto emocional muito grande.”
Os casos são julgados individualmente. Alguns processos foram recusados em outros momentos, mas, após apresentação de recursos, voltam a pauta para nova apreciação. Para Machado, não há motivo para que haja recusa da concessão do benefício, em valores que são definidos pela comissão.
“Pararam de confiar”
A Copene era a maior empresa do polo petroquímico. “Havia muita truculência, o pessoal sofria com más condições”, recorda o trabalhador. Além da repressão às práticas sindicais, era difícil lidar com a polícia de ACM e com um governo estadual que não dava respaldo aos movimentos por melhores condições de vida.
Após o fracasso de 1984, restou no ar certa animosidade, que ganhou força no ano seguinte, com novos episódios de desentendimento entre funcionários e empregadores. Quando o pessoal da Copene teve, enfim, força para parar, veio a senha: era o momento de todo mundo cruzar os braços. “A greve foi tida como legal pelo Tribunal Regional do Trabalho, mas os patrões começaram a pressionar. Tentaram fazer acordo, mas não cumpriam o acordo”, relembra Machado.
A greve geral paralisou durante 23 dias as atividades do polo, e resultou na demissão, naquele mês e nos seguintes, de 171 empregados por justa causa. O antigo operador, o posto mais bem remunerado da cidade, foi dispensado em dezembro. “Eles pararam de confiar na gente. Tudo que a gente fazia, ia alguém atrás para verificar”, diz. “Não teve desculpa nenhuma, simplesmente demitiram, falaram que não era mais interessante me manter.”
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