segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Eletricitários sofrem grave e inconstitucional retrocesso: revogada hoje a Lei n. 7.369, de 1985 (por Maximiliano Nagl Garcez)


Maximiliano Nagl Garcez

Advogado de entidades sindicais em Brasília; Diretor para Assuntos Legislativos da ALAL – Associação Latino-americana de Advogados Laboralistas. max@advocaciagarcez.adv.br


1.   Conteúdo da Lei n. 12.740, publicada em 10.12.2012

Foi publicada hoje no DOU a Lei Nº 12.740 (http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12740.htm), cujo conteúdo segue abaixo:

“Altera o art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a fim de redefinir os critérios para caracterização das atividades ou operações perigosas, e revoga a Lei nº 7.369, de 20 de setembro de 1985.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

.........................................................................................................

§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo." (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º Fica revogada a Lei nº 7.369, de 20 de setembro de 1985.

Brasília, 8 de dezembro de 2012; 191º da Independência e 124º da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Carlos Daudt Brizola”


2.   Conteúdo da Lei n. 7.369, SUPOSTAMENTE revogada pela Lei 12.740

O conteúdo da Lei n. 7.369 é o seguinte:

“LEI No 7.369, DE 20 DE SETEMBRO DE 1985.

Institui salário adicional para os empregados no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade, tem direito a uma remuneração adicional de trinta por cento sobre o salário que perceber. (Vide Decreto nº 92.212, de 1985)

Art. 2º No prazo de noventa dias o Poder Executivo regulamentará a presente Lei, especificando as atividades que se exercem em condições de periculosidade.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 20 de setembro de 1985; 164º da Independência e 97º da República.

JOSÉ SARNEY

Aureliano Chaves”


Minha expressão “supostamente revogada” será discutida no item 4 abaixo do presente artigo.


3.   Importância da Lei n. 7.369 para os eletricitários

O art. 1º da Lei nº 7.369/85, que regulamenta o adicional de periculosidade para os trabalhadores no setor de energia elétrica, prevê:

"Art. 1º. O empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade, tem direito a uma remuneração adicional de 30% sobre o salário que perceber."

A base de cálculo do adicional de periculosidade para o eletricitário é distinta dos demais trabalhadores.

Para os trabalhadores em geral, aplica-se como base de cálculo do adicional de periculosidade o § 1º do art. 193 da CLT:

 § 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

Ou seja: enquanto § 1º do art. 193 da CLT prevê que os trabalhadores em geral receberão o adicional de periculosidade “sobre o salário”, a legislação específica aplicável à categoria dos eletricitários  refere-se ao "salário que perceber".

Tal diferença é significativa, pois para o eletricitário o adicional de periculosidade deve incidir sobre as verbas de natureza salarial e não apenas sobre o salário-base do trabalhador.

A Súmula 191 do TST (Resolução nº 121 de 28.10.03 - DOU - 19.11.03)é clara quanto à importância de tal distinção:

"O adicional de periculosidade incide apenas sobre o salário básico e não sobre este acrescido de outros adicionais. Em relação aos eletricitários, o cálculo do adicional de periculosidade deverá ser efetuado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial." (grifei).

Cito também a Orientação Jurisprudencial nº 279, da Seção Especializada em Dissídios Individuais n. 1 do TST, que também demonstra a importância da Lei n. 7.369 para os eletricitários:

"Adicional de periculosidade. Eletricitários. Base de cálculo. Lei nº 7369/1985, art. 1º. Interpretação. O adicional de periculosidade dos eletricitários deverá ser calculado sobre o conjunto de parcelas de natureza salarial."

Ou seja: a “suposta” revogação da Lei n. 7.369 não pode ser admitida, por constituir um sério retrocesso para os eletricitários e um estímulo à diminuição de investimentos pelos empregadores. Os sindicatos de eletricitários nas diversas regiões de nosso país sabem dos inúmeros e trágicos acidentes do trabalho e mortes por conta do sério risco (e baixo investimento em prevenção) sofrido pelos eletricitários.

4.   Da inconstitucionalidade da revogação da Lei n. 7.369

Esta artigo será ainda objeto de uma versão mais detalhada. De todo modo, meus 2 argumentos pela inconstitucionalidade da revogação da Lei n. 7.369 são simples, diretos – e a meu ver evidentes e irrefutáveis.  

4.1.                Inconstitucionalidade por violação ao art. 7º, caput, da CF

Prevê o caput do art. 7º da CF:

 “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social ... “


Tal caput do art. 7º da Carta Magna prevê que o ordenamento jurídico é composto de normas visando garantir ao trabalhadores uma melhoria de sua condição social. Por isso, considera-se inconstitucional qualquer alteração legal que promova a redução ou a extinção de direitos sociais.

Diversos juristas denominam tal princípio de não retrocesso social. Cito em tal sentido o jurista português J. J. Canotilho, respeitado constitucionalista, cuja defende tal princípio:


“O princípio da democracia económica e social aponta para a proibição de retrocesso social.

A idéia expressa também tem sido designada como proibição de “contra-revolução social” ou da “evolução reaccionária”. Com isto que dizer-se que os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. Desta forma, e independentemente do problema “fáctico” da irreversibilidade das conquistas sociais (existem crises, situações económicas difíceis, recessões económicas), o princípio da análise justifica, pelo menos, a subtracção à livre e oportunística disposição do legislador, da diminuição de direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural (...). O reconhecimento desta protecção de “direitos prestacionais de propriedade”, subjectivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e expectativas subjectivamente alicerçadas. Esta proibição justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada “justiça social” (assim, por ex., será inconstitucional uma lei que reduza o âmbito dos cidadãos com direito a subsídio de desemprego e pretenda alargar o tempo de trabalho necessário para a aquisição do direito à reforma) (...). De qualquer forma, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar inquebrantavelmente os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa.”  (Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 1993, 6ª edição revisada, pp. 468/469)


O princípio do não retrocesso social, contido no caput do art. 7º., é também reforçado pelos seguintes dispositivos constitucionais, que prevêem que a ordem social tem como base o primado do trabalho digno e de qualidade, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais:

- art. 5º, inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”

- art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

III - função social da propriedade;

- art. 193: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.


4.2. Art. 7º., XXIII, da Constituição Federal


O direito ao adicional de Periculosidade está previsto constitucionalmente, e com base na remuneração (mais ampla que o salário), conforme consta no artigo 7º, inciso XXIII da CF:


“Artigo 7º.... XXIII - Adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;”


Lamentavelmente, tal dispositivo até hoje não foi regulamentado. E não poderia uma Lei flagrantemente violar tal dispositivo, retrocedendo na base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário, não só deixando de aplicar como critério a “remuneração”, mas aplicando somente o salário, sem as demais parcelas salariais.


5.   Conclusão


Por conseguinte, concluo que:


- a Lei n. 12.740, apesar de trazer avanços no que tange a diversas categorias, constitui  um sério retrocesso aos direitos dos eletricitários;

- tal retrocesso é inconstitucional, e assim deve ser interpretado pelos Tribunais;

- é necessário ajuizar com urgência uma ADIN pelas centrais sindicais e partidos políticos, visando declarar imediatamente tal inconstitucionalidade;

- convém também que o Congresso Nacional corrija tal equívoco, devendo ser apresentado por deputados e Senadores ligados aos trabalhadores PL que sane tal injustiça.  


P.S. O presente artigo será objeto de versão ampliada, a ser divulgada nos próximos dias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário