quarta-feira, 29 de maio de 2013

TERCEIRIZAÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADES CONTIDAS NO PL N. 4.330, DE 2004, BEM COMO NOS SUBSTITUTIVOS APRESENTADOS NA COMISSÃO ESPECIAL E PELO DEPUTADO ARTHUR MAIA


TERCEIRIZAÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADES CONTIDAS NO PROJETO DE LEI N. 4.330, DE 2004, BEM COMO NOS SUBSTITUTIVOS APRESENTADOS NA COMISSÃO ESPECIAL E PELO DEPUTADO ARTHUR MAIA



Maximiliano Nagl Garcez

Advogado de trabalhadores e entidades sindicais e consultor em processo legislativo. Diretor para Assuntos Parlamentares da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Email: max@advocaciagarcez.adv.br.


A Constituição Federal de 1988 se configura como impedimento à eliminação e limitação do direitos trabalhistas e sindicais, proposta pelo PL 4330, de 2004, seja sob o nome de “terceirização” (em sua versão original) quanto na regulamentação da “prestação de serviços” (no também precarizante Substitutivo proposto na Comissão Especial e no Substitutivo do Dep. Arthur Maia).

Veremos a seguir que é evidente a inconstitucionalidade de tais propostas.

1.                   PRINCÍPIO DA IGUALDADE

A principal inconstitucionalidade das propostas reside no princípio da igualdade, contido no art. 5º., caput, da Constituição Federal. Está inserido  no rol dos direitos fundamentais do cidadão, categoria de direitos que não estão afetos a restrições infraconstitucionais, o que significa que não podem ser limitados pelo ordenamento jurídico, seja quanto à regulamentação, efetivação ou exercício desses direitos.

Vejamos a redação do caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (...) negritamos

Ao prever uma esfera de direitos ao terceirizado muito inferior ao trabalhador contratado diretamente pela empresa tomadora, há flagrante violação ao princípio da isonomia. A jurisprudência do E. STF demonstra que a proposição, caso venha a ser transformada em lei (o que, diga-se de passagem, consideramos altamente improvável, ante sua completa inadequação com nosso ordenamento jurídico), seria considerada manifestamente inconstitucional:

O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição  destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade.” (STF - MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-1990, Plenário, DJ de 19-4-1991.) negritamos

E o STF possui até mesmo julgado tratando exatamente da aplicação do art. 5º., caput, da CF às relações de trabalho, afirmando que “nosso sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um empregador”, o que mostra sem sombra de dúvidas a flagrante inconstitucionalidade das proposições:

“Estabelece a Constituição em vigor, reproduzindo nossa tradição constitucional, no art. 5º, caput (...). (...) De outra parte, no que concerne aos direitos sociais, nosso sistema veda, no inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal, qualquer discriminação decorrente – além, evidentemente, da nacionalidade – de sexo, idade, cor ou estado civil. Dessa maneira, nosso sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um empregador. No que concerne ao estrangeiro, quando a Constituição quis limitar-lhe o acesso a algum direito, expressamente estipulou. (...) Mas o princípio do nosso sistema é o da igualdade de tratamento. Em consequência, não pode uma empresa, no Brasil, seja nacional ou estrangeira, desde que funcione, opere em território nacional, estabelecer discriminação decorrente de nacionalidade para seus empregados, em regulamento de empresa, a tanto correspondendo o estatuto dos servidores da empresa, tão só pela circunstância de não ser um nacional francês. (...) Nosso sistema não admite esta forma de discriminação, quer em relação à empresa brasileira, quer em relação à empresa estrangeira.” (RE 161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Néri da Silveira, julgamento em 29-10-1996, Segunda Turma, DJ de 19-12-1997.) negritamos

O caput do art. 5º. deve ser interpretado em conjunto com os seguintes incisos do art. 3º. da CF:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

A vedação do tratamento discriminatório na seara trabalhista, previsto não apenas no referido art. 5º. caput, mas também no art. 7º, XXXII da CF, xxxii, da Lei Maior), já foi utilizada pelo TST para aplicar os terceirizados os mesmos direitos do trabalhador contratado diretamente. Tal tratamento igualitário é rechaçado pelo PL 4330 e pelo Substitutivo, o que demonstra sua inconstitucionalidade:

“1. A teor da orientação jurisprudencial 383/SDI-I do TST, desempenhadas, pelo empregado contratado mediante empresa interposta, funções inerentes à atividade-fim do tomador dos serviços, a revelar quadro de terceirização ilícita, impõe-se, por aplicação analógica do art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74, forte no princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição da República), e na vedação do tratamento discriminatório (art. 7º, xxxii, da Lei Maior), o reconhecimento dos mesmos direitos assegurados aos empregados do tomador dos seus serviços que exerçam as mesmas funções, inclusive aqueles previstos nos instrumentos coletivos da respectiva categoria profissional”. (Tribunal Superior do Trabalho TST; RR 126600-11.2009.5.03.0077; Terceira Turma; Relª Minª Rosa Maria Weber Candiota da Rosa; DEJT 17/06/2011; Pág. 992)

2.                   VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O art. 1º da Constituição Federal Brasileira coloca o valor social do trabalho, ao lado da dignidade da pessoa humana, como bens juridicamente tutelados e como fundamento para a construção de um Estado Democrático de Direito:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”

A interpretação e a aplicação do Direito do Trabalho estão obrigatoriamente condicionadas aos princípios constitucionais de valorização do trabalho e do trabalhador como fator inerente à dignidade da pessoa humana. Ao se eleger a dignidade do ser humano como fundamento da República Federativa do Brasil, constitucionalizam-se os princípios do direito laboral, com força e imperatividade aptas a conferir ao trabalho e ao trabalhador, o significado de sustentação do próprio sistema da nação brasileira. Tal proceder efetiva o Estado democrático de Direito, fazendo com que os objetivos políticos decididos pela Constituição sejam atingidos por meio de todo o ordenamento jurídico.

A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, traz, já no seu preâmbulo, o direito à dignidade como direito absoluto do homem:

“Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948).

Preâmbulo:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direito e, como são dotados pela natureza de razão e consciência, devem proceder fraternalmente uns para com os outros.”

“É dever do homem servir o espírito com todas as suas faculdades e todos os seus recursos, porque o espírito é a finalidade suprema da existência humana e a sua máxima categoria.”

Também a dignidade do trabalho foi elevada a direito absoluto do homem e do cidadão, eis que o artigo 14 da Declaração Americana do Direito e Deveres do Homem assim preceitua:

 “Toda pessoa tem direito ao trabalho em condições dignas e o de seguir livremente sua vocação, na medida em que for permitido pelas oportunidades de emprego existentes. Toda pessoa que trabalha tem o direito de receber uma remuneração que, em relação à sua capacidade de trabalho e habilidade, lhe garanta um nível de vida conveniente para si mesma e para sua família.”

A proteção da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho impede que qualquer norma que a viole (como tenta fazer o PL 4330) seja considera constitucional. Tal princípio impede  qualquer atitude ou norma que diminua o status da pessoa humana enquanto indivíduo, cidadão e membro da comunidade. O tratamento dado ao terceirizado no PL 4330 e no Substitutivo, visto somente como um mero fator de produção, viola frontalmente tais princípios contidos no art. 1º. da Carta Magna.

O art. 1º da Constituição Federal Brasileira coloca o valor social do trabalho, ao lado da dignidade da pessoa humana, como bens juridicamente tutelados e como fundamento para a construção de um Estado Democrático de Direito.

A dignidade da pessoa humana traz, como conseqüência, o respeito à individualidade, possibilitando todo o desenvolvimento do potencial humano.[1] Do mesmo modo é oportuna a lição de Joaquim Herrera Flores[2], para quem a maior agressão aos direitos humanos consiste em obstar que pessoas, grupos ou povos exerçam e lutem em defesa de sua dignidade. E a proposição, ao esfacelar os sindicatos e reduzir muitíssimo a possibilidade de negociar coletivamente de modo adequado, viola também sob tal matiz o princípio da dignidade da pessoa humana.

O art. 1º da Constituição Federal Brasileira deve ser interpretado em conjunto com o art. 170, caput, que prevê que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna. Ingo Sarlet destaca a importância da evolução apresentada pela Carta Magna de 1988, e adequadamente relaciona os dois dispositivos constitucionais (ambos flagrantemente violados pelo PL 4330 e pelo Substitutivo apresentado na Comissão Especial):

“Igualmente sem precedentes em nossa evolução constitucional foi o reconhecimento, no âmbito do direito positivo, do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CF), que não foi objeto de previsão no direito anterior. Mesmo fora do âmbito dos princípios fundamentais, o valor da dignidade da pessoa humana foi objeto de previsão por parte do Constituinte, seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput), seja quando, no âmbito da ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, § 6º), além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 227, caput). Assim, ao menos neste final de século, o princípio da dignidade da pessoa humana mereceu a devida atenção na esfera do nosso direito constitucional.” [3]

A luta pelo respeito à integridade do trabalhador visa também lembrar à sociedade os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria fez constar do documento jurídico/político que é a Constituição. O contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos corrobora a abordagem supracitada, nos seguintes termos:

"Art. 1º Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade."

"Art. 7º Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, à igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação."

"Art. 23º-1- Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego."

A dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º da Constituição Federal de 1988, é a origem da qual deve partir a interpretação do Direito, permeada sempre pela concepção do trabalho como instrumento de efetivação da justiça social, bem como pela noção de que o direito de propriedade deve ser exercido segundo sua função social, nos termos do art. 5º , XVIII, da Constituição Federal de 1988.[4]

Para Maurício Antonio Ribeiro Lopes o princípio da intangibilidade da dignidade da pessoa humana é o “ponto de partida e de chegada de todo o ordenamento jurídico num Estado de Direito.”[5] Trata-se de princípio que estrutura a ordem constitucional e norteia todo o sistema jurídico, a partir do texto constitucional. Assim é que o trabalho somente pode ser reconhecido como condição salutar de dignidade da pessoa humana se forem asseguradas determinadas condições que garantam o próprio acesso a ele, e que este satisfaça as mínimas imposições necessárias para a sobrevivência digna.[6] E a maneira como o terceirizado é tratado no PL 4330 e no Substitutivo, impedindo-lhe de gozar dos mesmos direitos que os trabalhadores contratados diretamente pela empresa tomadora de serviços, está em evidente dissonância com os referidos princípios constitucionais.

O próprio TST já decidiu que a terceirização de atividade-fim (proposta contida no PL 4330 e no Substitutivo),  é inconstitucional por conta dos referidos  art. 1º, III e IV, da CF, conforme se verifica no seguinte julgado:

"Ainda que assim não fosse, não há ofensa à tripartição dos Poderes do Estado, ao princípio da legalidade e da competência legislativa, pois a edição, pelo TST, da Súmula nº 331 decorreu da interpretação sistemática dos dispositivos de lei, principalmente da Constituição Federal, considerando a hipossuficiência do trabalhador e os fundamentos do Estado Democrático de Direito, a saber, a "dignidade da pessoa humana" (art. 1º, III, da CF) e os "valores sociais do trabalho" (art. 1º, IV, da CF)" (TST-ED-AIRR-644/2007-004-23-40.7– 5ª T. – Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda– DJU 28.08.2009)

3.                   DA POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE TODA ATIVIDADE EMPRESARIAL NO PL E NO SUBSTITUTIVO

Prevê o art. 2º do Substitutivo: “Empresa prestadora de serviços a terceiros é a empresa especializada que presta à contratante serviços determinados e específicos.”

Não há qualquer critério previsto no Projeto para afirmar se um objeto social é específico ou genérico.

A proposta tem como objetivo acabar com a discussão atividade-fim e atividade-meio.

Ainda que tal debate (atividade-fim e atividade-meio) seja muitas vezes difícil, ao menos serve como um limite claro à terceirização, e tem permitido coibir tal prática por meio da Justiça do Trabalho.  A análise da atividade-fim é voltada à atuação da empresa tomadora de serviços.

Já o Substitutivo tira totalmente o foco da empresa tomadora de serviços, ao propor um novo parâmetro: objeto social específico/objeto social genérico.   Específico é ainda mais genérico e vazio do que atividade-fim. O que seriam serviços indeterminados? Quem contrata a e paga algo indeterminado?


Vejamos os parágrafos 1º. e 2º. do  art. 2º :

“§ 1º A empresa prestadora de serviços deverá ter objeto social único, sendo permitido mais de um objeto apenas quando se tratar de atividades correlatas.

§ 2º A empresa prestadora de serviços é responsável pelo planejamento e pela execução dos serviços, nos termos previstos no contrato entre as partes.”

Se aprovado o PL, já não há limite para o que a empresa tomadora de serviços pode terceirizar.

A análise passa a ser somente para que tipos de serviços a empresa prestadora pode oferecer (qualquer um, desde que relativo a um objeto social específico – e ainda com a porta para atividades correlatas).

Ou seja: a empresa tomadora de serviços pode se tornar apenas uma administradora do CNPJ da empresa, terceirizando todo e qualquer atividade.

4.                   VIOLAÇÃO AO ART. 8º. DA CF

Prevê o art. 8º, caput, da CF: 

”É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria[7], inclusive em questões judiciais ou administrativas;

(...)

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;”

Os referidos dispositivos constitucionais seriam violados, caso fosse permitida a terceirização de atividade-fim. O TST já analisou de modo detalhado tal questão, em acórdão da SDI-1:

“PROCESSO Nº TST-E-RR-586341/1999.4  “De outro giro, a terceirização na esfera finalística das empresas, além de atritar com o eixo fundamental da legislação trabalhista, como afirmado, traria consequências imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva. O caso dos autos é emblemático, na medida em que a empresa reclamada, atuante no setor de energia elétrica, estaria autorizada a terceirizar todas as suas atividades, quer na área fim, quer na área meio. Nessa hipótese, pergunta-se: a CELG, apesar de beneficiária final dos serviços prestados, ficaria totalmente protegida e isenta do cumprimento das normas coletivas pactuadas, por não mais responder pelas obrigações trabalhistas dos empregados vinculados aos intermediários? Não resta dúvida de que a consequência desse processo seria, naturalmente, o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores. Todas essas questões estão em jogo e merecem especial reflexão.”

Convém destacar que o STF coloca a liberdade sindical como predicado do Estado Democrático de Direito:

"A liberdade de associação, observada, relativamente às entidades sindicais, a base territorial mínima – a área de um Município –, é predicado do Estado Democrático de Direito. Recepção da Consolidação das Leis do Trabalho pela Carta da República de 1988, no que viabilizados o agrupamento de atividades profissionais e a dissociação, visando a formar sindicato específico." (RMS 24.069, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 22-3-2005, Primeira Turma, DJ de 24-6-2005.)

5.                   ARTS. 170 E 193 DA CF

Vejamos o contido nos arts. 170 e 193 da CF:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

III - função social da propriedade;

(...)

VIII - busca do pleno emprego;

Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho e com objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

Tais dispositivos constitucionais servem também para demonstrar a inconstitucionalidade do PL 4330 e do Substitutivo, conforme o seguinte julgado do E. TST:

“(…) É inviável o conhecimento dos recursos de revista por divergência dos arestos apresentados, pois a decisão recorrida está em consonância com a Súmula nº 331, I, do TST (art. 896, § 4º, da CLT e Súmula nº 333 do TST). O art. 94, II, da Lei nº 9.472/97 não foi violado, pois não se pode concluir que, ao dispor que com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados, esteja autorizando a terceirização de serviços inerentes à atividade-fim das empresas de telecomunicações, sob pena de ferir o disposto no art. 170, caput, VIII, da Constituição da República, pois a intermediação de serviço em área-fim das empresas de telecomunicações, sem prévia definição em Lei, culminaria na desvalorização do trabalho humano e no comprometimento da busca do pleno emprego (…).” (Tribunal Superior do Trabalho TST; RR 135400-67.2008.5.03.0140; Quarta Turma; Relª Minª Kátia Magalhães Arruda; DEJT 18/03/2011; Pág. 1048)

6.                   ANTIJURIDICIDADE

O Projeto de Lei não ofende somente a Constituição Federal. Está também configurada a antijuridicidade, pois é incoerente com os princípios do Direito do Trabalho predominantes no ordenamento jurídico pátrio.

Outra antijuridicidade consiste no conceito de subordinação direta, inserido no Substitutivo.

A CLT trata da subordinação como um dos requisitos para a configuração da relação de emprego, em seu art. 3º.

No entanto, o Projeto faz menção não à subordinação de modo geral, mas a uma espécie de subordinação, a direta.

Tal conceito de subordinação direta está superado pela doutrina, e é claramente insuficiente. Deve-se utilizar também a subordinação estrutural:

De acordo com a doutrina do eminente Ministro Maurício Godinho Delgado, “estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber ou não suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”.

Nesse sentido já se manifestou o E. TST:

TERCEIRIZAÇÃO. A terceirização é o ato pelo qual a empresa produtora, mediante contrato entrega a outra empresa certa tarefa não incluída nos seus fins sociais para que esta a realize habitualmente com empregados desta. Transporte, limpeza e restaurante são exemplos típicos. Quando não fraudulenta é manifestação de modernas técnicas competitivas. A terceirização não é uma prática ilegal por si só; é hoje uma necessidade de sobrevivência no mercado, com a qual a Justiça precisa estar atenta para conviver. Contudo, a sua utilização de forma a impedir a formação correta do vínculo empregatício não pode ser prestigiada. O reconhecimento da responsabilidade solidária e a correção da titularidade empresarial da relação empregatícia são as formas judiciárias de sanar o defeito. Além disso, a responsabilidade do tomador dos serviços contemplada pela Súmula n. 331/TST não é excluída na hipótese de uma terceirização de serviços tolerada e encontra amparo na lei (art. 927 do Código Civil), contudo, para captar a hipótese de subsidiariedade, na qual se atribui ao tomador dos serviços a culpa in eligendo e a culpa in vigilando. No estudo da terceirização, importa lembrar que o Direito do Trabalho contemporâneo evoluiu o conceito da subordinação objetiva para o conceito de subordinação estrutural como caracterizador do elemento previsto no art. 3o. da CLT, que caracteriza o contrato de trabalho. A subordinação estrutural é aquela que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica da atividade econômica do tomador de seus serviços, pouco importando se receba ou não ordens diretas deste, mas, sim se a empresa o acolhe, estruturalmente, em sua dinâmica de organização e funcionamento, caso em que se terá por configurada a relação de emprego. Grifo nosso (TRT – 3ª R. – RO 545/2009-048-03-00-6 – Rel. Des. Marcio Flavio Salem Vidigal – Dje 10.12.2009 – p.215).

No último dia 19 de outubro, a 6ª. Turma, por unanimidade, em acórdão de lavra do Ministro Maurício Godinho Delgado, aplicou a Súmula 331, de modo a considerar ilícita a terceirização de “call center, neles incluídos os de auxílio à lista, reclamações, pedidos de novos serviços e de novas linhas, denominados 101, 102, 103, 106, 107, 0800, back office, help desk”. Verifica-se no julgado abaixo a utilização dos conceitos de atividade-fim e de atividade-meio, bem como do moderno e apropriado conceito de subordinação estrutural:

“ A Lei 9472/97 - que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais - prevê, em seu art. 94, II:

    Art. 94 - No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:

    I - [...]

    II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.

                     Contudo, não se pode interpretar a expressão contida nesse dispositivo legal de poder a concessionária contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades-fim, já que tal exegese confrontaria com o texto da Súmula 331/TST. Esta delimita as hipóteses de terceirização lícita: situações empresariais que autorizem contratação de trabalho temporário (art. 331, I), atividades de vigilância (Súmula 331, III, ab initio), atividades de conservação e limpeza (Súmula 331, III) e serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.

                     Estender o sentido do termo -inerente- nessa peculiar hipótese para compreendê-lo como análogo à atividade-fim, aceitando a transferência do desenvolvimento de serviços essenciais a terceiros (a saber, call center, neles incluídos os de auxílio à lista, reclamações, pedidos de novos serviços e de novas linhas, denominados 101, 102, 103, 106, 107, 0800, back office, help desk), significaria um desajuste em face dos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o Direito do Trabalho ao longo de sua história. O fenômeno da terceirização, por se chocar com a estrutura teórica e normativa original do Direito do Trabalho, sofre restrições da doutrina e jurisprudência justrabalhistas, que nele tendem a enxergar uma modalidade excetiva de contratação de força de trabalho.

(...)Registre-se, ainda, que a subordinação jurídica, elemento cardeal da relação de emprego, pode se manifestar em qualquer das seguintes dimensões: a clássica, por meio da intensidade de ordens do tomador de serviços sobre a pessoa física que os presta; a objetiva, pela correspondência dos serviços deste aos objetivos perseguidos pelo tomador (harmonização do trabalho do obreiro aos fins do empreendimento); a estrutural, mediante a integração do trabalhador à dinâmica organizativa e operacional do tomador de serviços, incorporando e se submetendo à sua cultura corporativa dominante.” (Processo: RR - 897-59.2010.5.03.0134 Data de Julgamento: 19/10/2011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/10/2011). (Destacou-se)

Também a Lei 9.029/95, em seu artigo 1º, proíbe “a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao previsto no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal.” (negritamos). O PL 4330 está em evidente dissonância com a referida Lei.

7.               CONCLUSÃO

O PL 4.330, do Deputado Sandro Mabel, representa uma terrível e profunda reforma trabalhista precarizante, e considero que o combate a tal proposição deva ser prioridade do movimento sindical. Na Comissão Especial criada na Câmara dos Deputados, a ampla maioria patronal dos componentes de tal Comissão aprovou Substitutivo que permite a terceirização em quaisquer atividades das empresas (mesmo em atividades-fim), com a criação de empresas somente com um CNPJ e sem trabalhadores. Tal proposição permite também a quarteirização e a quinterização, e não prevê igualdade de direitos entre contratados diretamente e terceirizados. e sua aprovação consistiria em grave ataque aos direitos trabalhistas e ao movimento sindical. O PL, flagrantemente inconstitucional, atualmente se encontra na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. E, infelizmente, o Substitutivo do Deputado Arthur Maia tornou ainda mais grave a redação, incluindo proposta semelhante à da nefasta Emenda 3, que havia sido vetada pelo Presidente Lula.


Considero que a terceirização desenfreada e ilegal defendida pelo PL 4330 traz inúmeros prejuízos não somente aos trabalhadores e aos sindicatos, mas também a toda sociedade. Elenco a seguir algumas:


- paradoxalmente, foi graças à fábrica, criada pela classe dominante, que foi possível a criação do direito do trabalho. Como ensina o prof. Márcio Tulio Viana, a fábrica reuniu os oprimidos em um espaço determinado, e estes puderem aprender a se ver e reconhecer uns nos outros, e também aprender a lutar por um mundo melhor. Por isso, a classe dominante sempre pensou em como superar essa reunião, da qual nascia a rebelião, que fazia nascer o direito (“a luta faz a lei”). A terceirização visa também superar tal contradição, que fez nascer e viver o direito do trabalho, à medida em que isola os trabalhadores em diferentes locais e situações, impedindo-os que convivam entre si e que conheçam a exploração e o resultado final de seu trabalho;


- a destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores, gerando, segundo o TST,  “o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores” (E-RR-586.341/1999.4); apesar de tal julgado ter sido proferido em processo discutindo a terceirização no setor elétrico, creio que tal argumento também pode ser aplicado às demais categorias;


- impactos negativos na receita da Previdência Social e do FGTS, tendo em vista que os salários médios dos trabalhadores terceirizados e quarteirizados (ou até mesmo “quinteirizados” e “sexteirizados”, como já foi constatado no setor petroleiro) são menores que os trabalhadores com contrato de trabalho por prazo indeterminado. Assim, o trabalho terceirizado reduz o volume de remuneração dos trabalhadores e substitui a modalidade contratual típica, transformando o emprego em subemprego, diminuindo o poder aquisitivo dos empregados e a arrecadação da Previdência Social, bem como os montantes depositados no FGTS (usados primordialmente para saneamento básico e habitação);


- precarização do trabalho e o desemprego. A alegada “geração de novos postos de trabalho” pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua substituição por “sub-empregados”. Vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90, que já analisamos em item anterior. Enquanto o desemprego continuou aumentando, cresceu também a desqualificação da mão-de-obra, com prejuízos à produtividade, à arrecadação de impostos e a toda sociedade. Ou seja, persistiram as altas taxas de desemprego, mesmo às custas da redução de direitos trabalhistas; 


- aumento do número de acidentes do trabalho (sendo muitos fatais)  envolvendo trabalhadores terceirizados, como diversos especialistas e sindicalistas demonstraram durante a audiência pública realizada no TST ano passado;


- prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas áreas de telefonia, serviços bancários, energia, água e saneamento (conforme devidamente atestado por diversos painelistas durante a audiência pública no TST);


- criação de empresas de prestação de serviços de fachada, com posterior falência, ou mero desaparecimento do dia para a noite, deixando desamparados seus trabalhadores, e causando prejuízos a toda sociedade, em decorrência do inadimplemento de contribuições ao INSS e ao FGTS;


- existência de diferenciação ilegal entre aquele empregado por tempo indeterminado, e aquele “terceirizado”: salários mais baixos, jornadas mais longas e precarização das demais condições de trabalho;


- prejuízos sociais da terceirização e quarteirização indiscriminada. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a presença de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente,  prejudica toda sociedade, corroendo as relações sociais e degradando o trabalho: “Com as novas regras da livre concorrência, a insegurança da vida sentimental se estendeu à vida profissional. Qualquer parceria se tornou precária. A presença do outro não mais suscita apelo à colaboração, mas sim desejo de instrumentalização. Tornamo-nos uma multidão anônima, sem rosto, raízes ou futuro comum. E, se tido é provisório, se tudo foi despojado da dignidade que nos fazia queres agir corretamente, quem ou o que pode apreciar o "caráter moral" de quem quer que seja?  Na cultura da "flexibilidade", como reza o jargão neoliberal, ou fingimos acreditar em valores que não mais existem ou acreditamos, verdadeiramente, em miragens - e a alienação é ainda maior. Isolados do público, pela paixão dos interesses privados, e dos mais próximos afetivamente, pela degradação do trabalho e pela volubilidade sentimental, erramos em direção ao nada ou a qualquer coisa.” (COSTA, Jurandir Freire. Descaminhos do caráter. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 1999. Caderno Mais!, p. 3);


- a própria dignidade do trabalhador terceirizado ou quarteirizado acaba por ser violada, em um contexto social tão degradado, desgastando o tecido social e impedindo a construção de uma sociedade mais justa e democrática: “Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).

                    Pelos motivos supracitados, considero que a Constituição Federal exige que o PL 4330, bem como os Substitutivos da Comissão Especial e do Arthur Maia, sejam declarados inconstitucionais pela CCJ, aprovando-se parecer em tal sentido pela Comissão. 



[1] SEOANE, José Antonio. La Universalidad de los Derechos Humanos y sus Desafíos: Los "Derechos Especiales" de las Minorías. In: Persona y Derecho. Pamplona: Serviço de Publicaciones de la Universidad de Navarra, n. 38, 1998. p. 192.
[2] FLORES, Joaquín Herrera. El vuelo de anteo. Derechos humanos y crítica de la razón liberal. Editorial Desclée de Brouwer: Bilbao, 2000. p. 264-265.
[3] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p.  101.
[4] PITAS, José Severino da Silva. Questões práticas relevantes. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 24a. Região, Campo Grande, n. 5, p. 152-153, 1998.
[5] LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da legalidade penal. Projeções contemporâneas. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1, p. 102, 1994.
[6] NORONHA, João Walge da Silveira. A valorização do trabalho como condição de dignidade humana. Direito e Justiça, Porto Alegre, v. 21, p. 165, 2000.

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