terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Documentos analisados pela CNV apontam que o jornalista desaparecido Edmur Péricles de Camargo, o Gauchão, foi preso em Buenos Aires em 1971 por uma equipe de agentes da repressão do Estado brasileiro (Fonte: Comissão Nacional da Verdade)


"O adido do Exército brasileiro em Buenos Aires, aos 17 de junho de 1971, produziu a Informação nº 17, secreta, posta nesses termos:
“1. No dia 15 de junho, por volta das 16:00, esta Adido foi notificado que o terrorista EDMUR PÉRICLES CAMARGO, banido e asilado político no Chile, passaria por Buenos Aires, com destino a Montevidéu, viajando em avião LAN/CHILE, sendolhe solicitado verificar da possibilidade de obter das autoridades  argentinas sua prisão e entrega às autoridades brasileiras.
2. Foi feito, de imediato, contacto com as autoridades da Coordenação da Polícia Federal e por volta das 23:00 horas foi recebida a comunicação de que  a Brigada de Repressão já tinha montado a operação, mas que a mesma só poderia ser realizada com ordem superior, ficando de ser confirmada a execução até às 12:30 horas do dia seguinte, 16 de junho, dia de passagem do citado terrorista.
3. Como não tivesse sido recebida nenhuma comunicação até às 13:00 horas do dia 16, este Adido foi até o Aeroporto de Ezeiza, para constatar se o terrorista vinha realmente no vôo previsto,  tendo oportunidade de constatar que os elementos da Coordenação federal estavam no aeroporto e que detiveram o terrorista Edmur. Entrou-se em contato 2 com as autoridades argentinas, que já tinham o elemento preso, para detalhes de sua entrega às autoridades brasileiras.  Por volta das 05:00 do dia 17, chegou na zona militar do Aeroparque um avião da FAB para o qual foi transferido o terrorista, tendo o avião decolado por volta das 06:45.
4. O Adido da Aeronáutica e seu substituto, presentemente já em Buenos Aires, com grande eficiência e elevado espírito de colaboração solucionaram todos os problemas referentes à autorização para sobrevôo, utilização da área militar da Brigada Aérea, etc.”(consulte-se: ACE 41436-71, pg. 47 do arquivo digital 
– Arquivo Nacional).
Com mais detalhes, a Informação nº 68,  igualmente secreta,datada de 23 de junho de 1971, apresenta-se assim redigida:“2. DADOS COMPLEMENTARES No dia 16 do corrente este Aditar recebeu comunicação, através do Posto CAN de Montevidéu, que EDMUR estava viajando para o Uruguai, pela LAN-CHILE, com passaporte chileno para estrangeiros, com o nome de EDMUR PERICLES CAMARGO VILLAÇA e com a chegada prevista para as 16.30 hs.
Através contato com a companhia de aviação citada, verificamos que o avião faria escala na Argentina  –Aeroporto Ezeiza
3Feita ligação para a Embaixada do Brasil em Buenos Aires, soubemos que a mensagem também havia sido dirigida àquele setor.
O agente do Itamaraty, que trabalha em Montevidéu, em ligação com um Secretário de Buenos Aires,  deslocou-se para aquela cidade a fim de saber das providências que ali seriam tomadas,
alertando antes seu informante em Montevidéu para que acompanhasse EDMUR caso ele desembarcasse em Carrasco.
A polícia argentina prendeu EDMUR no Aeroporto de Ezeiza e entregou às autoridades brasileiras. Foi providenciado de Buenos Aires um avião da FAB que chegou àquela cidade  às 3.00 hs do dia 17, decolando às 06:hs para o Galeão, levando EDMUR acompanhado do Cel. Lana, adido aeronáutico e do Secretário Nery que seguiu de Brasília no mesmo avião.
O agente do Itamaraty conseguiu obter uma carta de apresentação do Gen Aragão para um contato de EDMUR em Montevidéu, que é justamente o seu agente na organização, para evitar que a Polícia Uruguaia o molestasse ou passa-se a vigiá-lo.”
Essa Informação nº 429 encerra-se com avaliação:
“3 – COMENTÁRIO4 O motivo da viagem do EDMUR, segundo os documentos que portava era para tratamento de saúde (vista).
O médico, Dr. RODRIGUES BARRIOS, é elemento conhecido dos asilados brasileiros e foi o mesmo que tratou do Gen Aragão quando esteve em Montevidéu.
Apesar das grandes dificuldades que se tem para acompanhar esse pessoal no Uruguai, no caso presente, parece que a polícia Argentina se precipitou um pouco pois, no momento, em que o 
fato venha a público, será difícil justificar a entrega e o recebimento de um banido.
A relação de passageiros da LAN-CHILE veio com a observação de que EDMUR CAMARGO foi detido pela polícia de Ezeiza.
 Com efeito, em poder de Edmur os agentes públicos apreenderam carta do almirante Cândido Aragão, endereçada ao Presidente deposto João Goulart, por onde se lê:
“Santiago, 16 de junho de 1971.
Prezado amigo Presidente Goulart
Meu cordial abraçoPreliminarmente congratulo-me com o prezado amigo pelo feliz desfecho do lutuoso desastre que o atingiu e do qual felizmente o Sr. saiu ileso  – mas que, por Espero que o Sr. já se encontre em pleno gozo de sua melhor saúde juntamente com Sra. e filhos para satisfação de todos seus amigos.
Continuo com muito ânimo – resignação e espírito de luta resistindo o desgaste do exílio – certo de que voltaremos muito em breve para a nossa querida 
Pátria.
Tenho a satisfação de apresentar-lhe o nosso valoroso companheiro Edmur Perez de Camargo para quem peço sua valiosa ajuda para tratamento de vista a que o mesmo vai se submeter aí, em Montevidéu – com o Dr. Rodrigues Barrios.
Certo de que o nosso companheiro terá do Sr. O necessário apoio para sua pretensão, subscreve-se o Amigo certo.
 Cândido Aragão”
( consulte-se ACE nº 41436-71, aqui já referida ).
 O Centro de Informações do Ministério das Relações 
Exteriores  – CIEx -, a seu turno, em índice dedicado às “Atividades de asilados e foragidos brasileiros”, no Documento pertinente a Edmur Camargo, faz distribuir aos demais órgãos da comunidade de informações – CIE; SNI-AC; 2ª seção/EME; 2ª seção /EMAER; CENIMAR; etc.  – a Informação nº 429, também timbrada como secreta, datada de 21 de outubro de 1971:6
“1. Sumamente preocupado com o desaparecimento do banido EDMUR PERICLES CANARGO (Gaúchão), os  exilados e refugiados brasileiros no Chile entregaram às autoridades chilenas do Ministério do Interior, em agosto/71, um documento cujos pontos principais seriam os seguintes:
a) EDMUR PERICLES CAMARGO fez parte do  contingente de 70 brasileiros trocados pelo  Embaixador suíço e que receberam asilo político do  Governo chileno; b) EDMUR CAMARGO contraiu grave enfermidade  ocular nas prisões brasileiras, não tendo obtido, em  Santiago, tratamento satisfatório; c) Por essa razão, solicitou, pelas vias legais,  autorização para viajar ao Uruguai, onde procuraria os  serviços médicos do Dr. RODRIGUES BARRIOS  com clínica em Montevidéu; obteve o necessário  salvo-conduto chileno para efetuar a viagem; d) EDMUR CAMARGO viajou para Montevidéu no  dia 17/junho/71, em vôo regular da empresa LANCHILE, de propriedade do governo chileno e deveria  regressar ao Chile, pela mesma companhia, em  10/julho; e) Até esta data (agosto/71) EDMUR CAMARGO não mais se comunicou com qualquer de seus  companheiros, os quais têm recebido informes ( de  companheiros em Montevidéu e Buenos Aires ), de  que EDMUR CANARGO teria sido preso pelas 7 autoridades argentinas e brasileiras e entregue à  ditadura brasileira; f) Manifestam sua estranheza pelo comportamento da  empresa LAN-CHILE e do próprio Ministério do  Interior pela falta de explicações sobre o que teria  ocorrido com EDMUR CAMARGO, que se  encontrava sob a proteção oficial do Governo chileno  aos demais asilados e ao Comitê de Defesa dos  mesmos; g) Face ao exposto solicitam providências urgentes do  Governo chileno para que seja posto em liberdade o  companheiro EDMUR CAMARGO e possa  continuar, em Montevidéu, seu tratamento médico,  para regressar a Santiago, posteriormente.” ( consulte-se: ACE 40504 – Arquivo Nacional ).                    Fica inquestionável, caracteriza-se pois, e amplamente, com a  documentação ora apresentada, a íntima união dos Estados Ditatoriais  militares do chamado Cone Sul – no caso, Brasil e Argentina  – estampando fatos concretos a evidenciarem a denominada “Operação  Condor”, na prática.
 Edmur Péricles Camargo  foi arbitrariamente preso pelos  órgãos da repressão argentina, em escala de vôo, em Buenos Aires, e na  madrugada do dia seguinte imediatamente posto em avião da FAB  – Força Aérea Brasileira -, que o trouxe ao Brasil, tendo desaparecido  nas mãos dos agentes públicos do Estado Ditatorial militar brasileiro,  desde então.8                    Também a documentação apresentada demonstra que no  âmbito do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por seu Centro de  Informações – CIEx -, operacionalizado foi Setor específico, adotado o  critério de acompanhamento por identificação do País e nome do  nacional brasileiro ali vivendo, cuidando exclusivamente de  esquadrinhar “as atividades de asilados e refugiados brasileiros”.                    Os diplomatas brasileiros, destacados para esse Setor, como  igualmente fez-se cristalino,  articulavam-se em atuação estreita e  coordenada com os adidos militares brasileiros, sediados nessas  unidades nacionais.                    O Estado Ditatorial militar subverte, por completo, a razão  de ser dos relevantes serviços diplomáticos, transformando-os na longa  manus da espionagem sobre os seus próprios nacionais, para  aprisioná-los e eliminá-los."

Extraído de http://www.cnv.gov.br/integras/CNV%2023%20-%20Edmur%20Pericles%20Camargo.pdf



             

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