Valor Econômico - 27/02/2012
Quando defendeu sua tese de doutorado em uma das universidades mais tradicionais da Espanha, em 2004, o professor Roberto Patrus não tinha ideia de como seria complicado fazer o reconhecimento do seu diploma no Brasil. Embora obtido com louvor e válido em toda a União Europeia, o título só foi aceito no país após quatro anos de tentativas e rejeições em duas universidades. "As instituições brasileiras não tinham áreas de equivalência com o tema da minha tese e se recusaram a analisar o meu processo", afirma o docente, que se especializou em ética empresarial.
A revalidação foi conquistada graças ao acaso. Uma professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) usava publicações de Patrus em sua turma de mestrado, o que abriu portas para o reconhecimento do diploma ali. O processo, porém, foi cansativo. "Cheguei a me arrepender de ter feito esse doutorado."
A experiência de Patrus ilustra uma situação comum para muitos acadêmicos brasileiros - a dificuldade em reconhecer diplomas de pós-graduação emitidos no exterior. Para conseguir o título de mestre ou doutor no Brasil, é preciso que o diploma estrangeiro seja validado no país. O trâmite é feito obrigatoriamente por instituições de ensino que tenham programas de especialização reconhecidos pela Capes, órgão responsável pela avaliação dos cursos de pós-graduação no Brasil. "Muitas universidades brasileiras encaram os programas internacionais como "concorrentes". Do ponto de vista acadêmico, é uma insensatez", afirma a professora Maria Cecilia Coutinho de Arruda, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
As instituições, no entanto, não conseguem atender a todos os pedidos de análise. "O destaque internacional do Brasil e a crise na Europa fizeram aumentar a procura por equivalência de diplomas na pós-graduação", afirma Arnaldo Carlos Alves, secretário de administração acadêmica da Universidade de Brasília (UnB), que determinou um limite de analisar apenas seis processos para cada programa. "Em áreas como direito e educação, já não há mais vagas para o primeiro semestre", diz.
O problema está relacionado à falta de professores para avaliar os pedidos, o que torna difícil cumprir o prazo máximo de seis meses definido pelo Ministério da Educação. Na UnB, aproximadamente 20% dos pedidos ultrapassam esse tempo. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o prazo médio é de 6 a 8 meses, mas pode chegar até a um ano. Em 2011, a instituição reconheceu 76 diplomas de mestrado e doutorado, um crescimento de 80% em relação a 2007.
"As pessoas não gostam de ouvir que leva tanto tempo, mas o procedimento é individualizado. Cada caso passa por uma comissão específica, que equivale a uma banca", afirma o pró-reitor de pós-graduação da Unicamp, Euclides de Mesquita Neto. "O professor que faz esse trabalho também tem outras atividades e não recebe nada a mais por isso", diz José Batista Neto, diretor do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O processo de revalidação, porém, começa bem antes disso. Até chegar a uma instituição de ensino local, o candidato precisa legalizar os documentos relativos ao curso na embaixada ou consulado brasileiro do país de origem e fazer traduções juramentadas de itens como histórico, diploma e até mesmo a dissertação ou tese - o que custa tempo e dinheiro.
A burocracia para reconhecer o mestrado finalizado há mais de 30 anos foi um desafio para o coordenador regional de RH do CNPq, Eduardo Barroso. Em 2009, ele decidiu tentar reconhecer o curso que fez na Suíça e terminou em 1981, para conseguir um adicional em seu salário como funcionário público. "Precisei apresentar até mesmo documentos como o passaporte que usei na época com os carimbos de entrada e saída no país. Por sorte, tinha tudo guardado", conta. O pedido, feito na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), passou por quatro professores, gerou um dossiê de 87 páginas e foi indeferido. Barroso recorreu à última instância, o conselho universitário, apelou ao reitor da instituição e teve seu título revalidado um ano depois.
Outra dificuldade para o reconhecimento dos diplomas de pós-graduação é a falta de equivalência entre os cursos oferecidos no exterior e os programas brasileiros. "É um contrassenso. Muitos acadêmicos decidem estudar fora porque não encontram aqui programas na área em que desejam se especializar, como foi o meu caso", afirma Roberto Patrus.
José Batista Neto, da UFPE, afirma que essa equivalência é necessária, uma vez que a tese ou dissertação precisa ser analisada por professores que dominam o tema. "É fundamental ter competência no assunto para poder julgar", diz. Euclides de Mesquita Neto, da Unicamp, explica que parte da dificuldade em reconhecer diplomas de mestrado, especialmente os emitidos na Europa, está no fato de que a estrutura acadêmica dos países da região não é a mesma do Brasil. "Lá, o bacharelado tem cerca de três anos de duração. No entendimento das universidades brasileiras, alguns mestrados (masters) europeus são uma espécie de complemento da graduação".
Esse posicionamento, porém, não é bem-aceito pelos países europeus. Em um evento de pós-graduação internacional realizado recentemente em São Paulo, Claire Morel, do Diretório de Educação e Cultura da Comissão Europeia, reclamou da dificuldade do reconhecimento de créditos e títulos no país. "Fizemos uma pesquisa com brasileiros que estudaram na Europa e descobrimos que a maioria nem sequer tenta validar seus diplomas em razão dos custos e da burocracia". Já o diretor de relações internacionais da Capes, Márcio de Castro Silva, disse que as universidades não estavam preparadas para o aumento no número de pedidos - em 2011, o órgão, que também atua como agência de fomento para estudantes brasileiros no exterior, concedeu 8.700 bolsas de estudo, 26% a mais que em 2010.
A esperança das instituições é de que o programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal - que concede bolsas de estudo para acadêmicos em áreas como engenharias e tecnologia - gere mais recursos. "As universidades precisarão ampliar os recursos investidos e fazer um verdadeiro mutirão para aumentar o número de diplomas reconhecidos", afirma Euclides Neto, da Unicamp.
Segundo o procurador-geral da Capes José Tavares dos Santos, a instituição apoiou projetos de lei que reconheciam automaticamente os diplomas de estudantes financiados por agências oficiais de fomento. "O critério tem consistência, pois a seleção dos bolsistas é feita por especialistas qualificados, que conhecem os cursos ofertados no exterior. Mas a apreciação nesse caso não é tão rigorosa quanto nas universidades, que detêm a competência legal", diz.
Outra ação da Capes, segundo Santos, é o financiamento de intercâmbio e colaboração acadêmica entre instituições nacionais e estrangeiras. "É muito difícil ter um acordo bilateral de reconhecimento automático, pois isso limitaria a autonomia dos países e das universidades. As parcerias, contudo, permitem estreitar relações e abrem uma possibilidade de simplificar o processo."
A mudança no sistema atual, porém, ainda não é um consenso entre as universidades. "Isso prejudicaria a análise do mérito acadêmico", diz Euclides Neto, da Unicamp. Para ele, uma solução seria aumentar os investimentos e o pessoal dedicados à revalidação dos diplomas para acompanhar o crescimento da demanda. José Batista Neto, da UFPE, também acredita que o julgamento dos títulos deve se manter no formato atual. "Já tivemos trabalhos da mesma universidade que foram aprovados e reprovados".
Nesse cenário, programas de dupla ou tripla titulação ganham força entre profissionais que querem estudar no exterior, mas temem as dificuldades com a revalidação. Eles são resultados de parcerias de universidades brasileiras com instituições de ensino estrangeiras. É o caso da FGV/SP, que oferece mestrado profissional em administração em acordo com quatro escolas em diferentes países - no fim do curso, o aluno recebe o título de mestre e um diploma de MBA internacional. "Parte do curso é feita em uma escola estrangeira filiada. Outra vantagem é que o aluno não precisa passar tanto tempo fora nem se afastar do mercado brasileiro", afirma a professora Maria Cecilia Arruda."
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