segunda-feira, 17 de março de 2014

Contag define estratégia de ação para o sindicalismo rural (Fonte: Portal Vermelho)

"O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, falou ao Portal CTB, em entrevista exclusiva, sobre as mudanças políticas, sociais e normativas da organização sindical dos trabalhadores rurais. O tema vem sendo discutido amplamente pela Confederação e suas federações e sindicatos filiados. A representação e representatividade sindical no campo também vêm sendo analisadas por um Grupo de Trabalho instalado no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). 
A Contag, que completou 50 anos em 2013, conta com 27 Federações de Trabalhadores na Agricultura (Fetags) e mais de 4 mil Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs) filiados. É a maior entidade representativa que compõe o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR).
Veja a seguir a entrevista completa com o presidente da Contag:
Como é formado o sindicalismo rural? 
O Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) é um movimento jovem que completou 50 anos de existência em 2013. O sistema confederativo do MSTTR é formado pela Contag, Fetags e Sindicatos que representam e defendem os interesses dos homens e mulheres, jovens até a terceira idade, que vivem no campo brasileiro e que denominamos trabalhadores e trabalhadores rurais. Nosso sindicalismo é muito importante para os trabalhadores rurais brasileiros e para o país, porque a Contag, os sindicatos e as federações travam lutas que vão além do mundo rural, e ajudam a alavancar o desenvolvimento local e territorial. Lutamos por políticas públicas que venham melhorar a qualidade de vida do nosso povo.
Como é a organização sindical desses trabalhadores? 
Este é o grande debate agora. Nós conseguimos ficar juntos por 50 anos. Nos últimos 15 anos, a Contag tem sido protagonista de uma nova visão de agricultura familiar, não somente uma agricultura familiar de subsistência, pequena, pobre, mas uma agricultura familiar desenvolvida, integrada aos mercados. Podemos citar, por exemplo, a conquista do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO) Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), Mais Alimentos, Política Nacional do Trabalhador Rural Empregado (PNATRE) e outros que ajudam atender as demandas e melhorar as condições de vidas dos/as trabalhadores/as rurais.
As políticas conquistadas fortaleceu a agricultura familiar que melhorou suas condições de trabalho e produção e passou a demandar mais mão de obra, especialmente nas culturas do café, tabaco, cebola, uva, leite e hortifrutigranjeiros. E com o aumento da contratação de mão de obra assalariada na agricultura familiar, surgem conflitos de interesses dentro da organização sindical que abarca as duas categorias – assalariados/as rurais e agricultores/as familiares.
Originalmente destes conflitos e de outros interesses de lideranças do mundo sindical surgem a criação de novas organizações sindicais em nossa base, especificamente de assalariados rurais e/ou para representar agricultores familiares. Por falta de critérios do Ministério do Trabalho, na maioria dos casos a Justiça é chamada a decidir pelo reconhecimento ou não destas novas organizações, fato este que tem contribuído para o judiciário formar uma visão judicial, segundo a qual, a nossa categoria de trabalhadores rurais é eclética e, portanto, é passível a dissociação – criação de uma categoria mais específica.
Essa visão também vem do Ministério do Trabalho e Emprego? 
Não só do Ministério, mas também do Tribunal Superior do Trabalho, do Superior Tribunal Federal. Vem de várias visões judiciais, aliadas a algumas práticas nossas através dos tempos.
Como funciona a representação sindical dos trabalhadores rurais nos outros países? 
Não existe nenhum outro país no mundo que tenha uma organização idêntica à nossa. Em quase todos os outros países a agricultura familiar está extinta, assim como trabalhadores rurais e sindicatos. Nós somos um dos únicos a ter esta composição.
Podemos dizer que o Brasil tem uma das organizações mais estruturadas da agricultura familiar? 
Em outros países podem ter formas de organização parecidas, principalmente na América Latina. Mas não existe nenhuma outra entidade igual ao sistema Confederativo do Movimento Sindical dos Trabalhadores/as Rurais que funcione organicamente com a Confederação, federações e sindicato. Nosso sistema, além de abrigar na mesma casa agricultores familiares e assalariados, é marcado pela forte diversidade ideias e posições o que fortalece a democracia interna com a participação das mulheres, jovens e das pessoas da terceira idade nas principais instancia de decisão do Movimento que são os congressos, Conselhos deliberativos, Coletivos, comissões e outros espaços de debate. Nosso sistema mantém a autonomia e independência das instâncias, porém é preservada a interdependência organizativa e sindical, o que o torna único e distinto.
Este ano é marcado por grandes eventos, como Copa do Mundo e eleições. Isto afeta de algum modo a agenda da Contag? 
Sim, interferem as eleições majoritárias e as candidaturas orgânicas do movimento. É um tema a mais na agenda e exige muita responsabilidade política da Contag e suas federações. Por isso, estamos ajustando nosso calendário e agenda sindical para fazermos um grande debate neste processo eleitoral, vamos construir plataformas com propostas políticas aos candidatos aos governos estaduais e aos candidatos à Presidência da República, e vamos apresentar e trabalhar para eleger o maior número de candidatos/as orgânicos do nosso movimento.
Entendemos que é preciso mudar governos estaduais e as forças partidárias no Congresso e nas Assembleias Legislativas. Para tanto, a Contag e suas federações farão sua parte, começando por um profundo debate sobre a representação e atuação de governos e parlamentos – o que temos e o que queremos deles. Vamos fazer nossa parte. Quanto à Copa do Mundo, mesmo com prazo para começar e terminar, não sabemos mensurar o quanto vai interferir na nossa vida sindical, até porque não sabemos os resultados que ela vai produzir. Esperamos que ela se desenvolva bem e que o Brasil seja campeão.
O que mais pode ser destacado na pauta da confederação para 2014? 
Para 2014, além das lutas gerais, destacaria as grandes mobilizações: Grito da Terra, Festival da Juventude e o Ano Internacional da Agricultura Familiar, que são momentos de muita organização, mobilização e negociação. 2014 é o Ano Internacional da Agricultura Familiar, aprovado pela ONU. A Contag tem sido protagonista nesta articulação e mobilização internacional com outras organizações camponesas do mundo, pressionando os governos para que a ONU decretasse o Ano Internacional da Agricultura Familiar. Essa aprovação veio no final de 2011.
Nós queremos fazer um grande debate nacional e internacional. Queremos envolver a CTB nesse processo, as demais centrais, as demais forças políticas, para internalizar e internacionalizar o debate da agricultura familiar, a sua importância política, econômica, social, cultural. Afirmar a importância da agricultura familiar no combate à fome, com a produção de alimento e assegurar a soberania e segurança alimentar das nações.
Nesse debate, queremos incluir o tema da reforma agrária, do acesso aos meios de produção, da terra e da água como elementos centrais para a promoção da inclusão produtiva, geração de trabalho e renda, fortalecimento da agricultura familiar enquanto base indispensável para o desenvolvimento rural sustentável. Esse é mais um elemento que vamos debater este ano, com muita força.
Como está o debate sobre a representação sindical dos trabalhadores rurais? 
Está prevista para março/2014 a realização de cinco grandes encontros regionais, cada um com no mínimo dez dirigentes de cada federação. Serão três dias de intenso debate, ocasião em que cada regional sindical terá a missão de apontar propostas de medidas estratégias e ações para que a reunião, no final de março, do Conselho extraordinário da Contag tome as decisões sobre a representação e representatividade no MSTTR. O tema da representação e representatividade é um tema complexo e difícil de ser tratado, porém é vital para o Movimento e precisa envolver toda a base sindical.
Vamos fazer esse debate e aproveitar para tratar outros temas que estão inter-relacionados e fazem parte de nossa agenda como a reforma política, eleições majoritárias e o Grito da Terra - elaboração e entrega da pauta para a Presidenta Dilma e a estratégia de negociação e mobilização. A CTB está convidada para estar presente, participando e colaborando com a realização do Grito da Terra Brasil.
Como é a relação das centrais sindicais com a Contag? 
Tivemos um momento histórico. A Contag é uma federação de 50 anos muito heterogênea. Ela é a cara dos trabalhadores rurais, negros, brancos, pardos. Somos uma entidade muito diversificadacultural, política e ideologicamente. No momento temos duas correntes políticas majoritárias que permeiam o campo da organização sindical, a CTB e a CUT. Nós convivemos com as duas centrais, isso já é uma relação madura. Nem sempre é fácil, existem diferenças entre elas, e nós queremos fazer com que muitos pontos que são comuns entre as duas centrais possam ajudar a luta da Contag. Tivemos pela primeira vez na história, até onde me lembro, dois presidentes, o Adilson Araújo (CTB) e o Vagner Freitas (CUT), sentados juntos com a executiva da Contag debatendo temas (em reunião realizada no dia 7 de março, em Brasília). Isso é algo muito importante para nós.
Nesta reunião, o que foi discutido com os representantes das centrais? 
Colocamos vários temas da agenda política: a reforma agrária, o Ano Internacional da Agricultura Familiar, a luta pelo desenvolvimento sustentável, pela produção de alimentos sadios, pelas políticas públicas de desenvolvimento rural sustentável. Para a agricultura familiar, aproveitar o ano internacional como mote político para tornar as centrais sindicais ainda mais comprometidas com a luta do campo. Abrimos um primeiro diálogo e chegamos até a armar um seminário, em alusão ao Ano Internacional da Agricultura Familiar, para debater estes temas e, quem sabe, pautar o governo e o Congresso Nacional. Também, incorporar na pauta das centrais sindicais, a pauta do Grito da Terra, para que possamos avançar verdadeiramente com as políticas públicas para o campo. Mas não só isso. Também colocamos e cobramos das duas centrais sindicais a participação e apoio à Contag no processo de discussão sobre representação e representatividade, espacialmente na definição de critérios para o registro sindical rural decorrente da criação e/ou dissociação.
Qual a posição da Contag sobre a organização da categoria? 
No nosso entendimento, a dissociação é o melhor caminho para preservar os nossos interesses, a nossa unidade e o conceito de categoria. A possibilidade de representar a agricultura familiar, o assalariado, sem tirar o direito dos sindicatos que querem permanecer juntos. E isso é um direito sagrado. As decisões judiciais afirmam que a dissociação de uma categoria (por exemplo, a de assalariados) de uma organização eclética (Sindicato de Trabalhadores Rurais) não fere a Unicidade Sindical, e por isso as duas podem existir na mesma base, prevalecendo a representação da entidade mais especifica.
Mas, o que mais nos preocupa é a definição de marcos normativos ou leis com regras seguras e claras que permitam disciplinar a criação e registro de organizações no meio rural. Precisamos urgentemente coibir todo ato ou prática antissindical e desleal de criação do dia para a noite de sindicatos e federações sem representatividade e legitimidade alguma. Queremos que sejam estabelecidos critérios justos, critérios que digam que os trabalhadores podem expressar sua vontade, mas de forma transparente. Expomos nossas preocupações e propostas para as centrais e apontamos em que pontos elas podem nos ajudar, com a interlocução delas com o governo, com o Ministério do Trabalho, para que não seja a Justiça que diga o que temos que fazer e como, mas para que nós possamos dizer o que queremos e como queremos.
Esse tema já foi debatido com o governo? 
É um debate que já está sendo feito com o governo através do Grupo de Trabalho por ele instituído, em que teve a participação das centrais sindicais, da Contag, Fetraf e da Feraesp para discutir o tema, mas os avanços até o momento foram muito tímidos.
O que falta para avançar? 
Temos um conjunto de questões muito complexas. Por falta de legislação específica, de critérios, o Judiciário, com base nas suas decisões, está criando jurisprudência que estão virando regras e algumas que colocam o Ministério do Trabalho na defensiva, já que o órgão passa a se obrigado a fazer o que a Justiça manda. A intromissão dos poderes públicos na organização e representação sindical fere o princípio da liberdade e autonomia sindical. É um tema realmente complexo, que exige um debate aprofundado e muita maturidade política. Estamos levando a proposta inicialmente e precisamos que o governo tenha coragem e determine a criação de normativos mais sérios sobre o assunto.
Como a Contag vê a participação das centrais na construção de um projeto coletivo? 
É preciso destacar que esta não é uma prática muito cotidiana. Para se compreender a dimensão política disso, nessa nossa diversidade trouxemos duas centrais sindicais para discutir os temas da Contag, e as duas podem ser uma âncora de apoio às nossas lutas. Uma é interna, do ponto de vista da organização sindical no campo, e a outra relaciona-se ao projeto político e engloba as grandes questões nacionais que afetam os trabalhadores do campo, entre elas a ausência da reforma agrária, da regularização fundiária, das condições de trabalho e salários dignos, combate à informalidade e do desenvolvimento rural sustentável do campo brasileiro. Queremos fortalecer nossa aliança com as centrais CUT e CBT e com demais organizações parceiras para avançarmos na implantação do nosso projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentável e solidário para o campo brasileiro.
Em 2013, a Contag completou 50 anos. O que podemos destacar na história da confederação?
Ao completar meio século de vida, a Contag apresenta uma trajetória de luta e grandes conquistas que melhoraram as condições de vida de milhares de trabalhadores rurais, fruto da organização, trabalho e da mobilização dos mais de 4 mil sindicatos e das 27 federações filiadas que compõem, junto com a Contag, o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR).
A Contag iniciou sua atuação no momento em que se discutiam as reformas de base onde se tratava as relações de trabalho, os assalariados rurais, a reforma agrária e regulação fundiária. Em 1964, o golpe militar reprimiu todos os movimentos populares, inclusive suas lideranças e políticos comprometidos com as reformas de base. A Contag sofreu intervenção e o primeiro presidente da entidade, Lyndolpho Silva, foi preso e exilado. Outras lideranças e dirigentes sindicais foram torturados, exilados e assassinados. A Contag integrou, junto a outros movimentos sociais, a vanguarda na luta contra a ditadura militar e pela redemocratização do Brasil, reivindicando uma ampla e irrestrita anistia política, eleições diretas e a convocação da Assembleia Nacional Constituinte.
Durante a Constituinte, alcançamos conquistas importantes, como a inclusão dos rurais no Regime Geral da Previdência Social e a extensão dos direitos trabalhistas aos assalariados(as) rurais. Em contraposição ao avanço das políticas neoliberais e o fortalecimento do atual modelo agrícola predominante, formado pela aliança da classe patronal com o capital financeiro e industrial denominado Agronegócio, o MSTTR construiu o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS) como um instrumento estratégico para assegurar melhores condições de vida e de trabalho para o homem e a mulher do campo, através da reforma agrária, da valorização e fortalecimento da agricultura familiar, da valorização do trabalho e por políticas públicas capazes de assegurar a inclusão social e a qualidade de vida no campo brasileiro.
Esses 50 anos foram marcados pelas constantes mobilizações em defesa dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, entre as quais podem ser destacadas o Grito da Terra Brasil, a Marcha das Margaridas, o Festival da Juventude e a Mobilização dos Assalariados(as) Rurais, que continuam conquistando melhorias para toda a população do campo. Internamente, a Contag fortaleceu a democracia, assegurando a integração das mulheres, dos jovens e das pessoas da terceira idade em suas mobilizações e instâncias deliberativas. A Contag é referência no país na luta pela construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária, e na defesa permanente dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais."

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