segunda-feira, 2 de setembro de 2013

PL 4330: “Queremos uma regulamentação que proíba a terceirização da atividade “fim”. Entrevista especial com Marilane Teixeira (Fonte: IHU)

"As reformulações do Projeto de Lei – PL 4330 ainda mantêm “problemas fundamentais e essenciais do projeto original, elaborado em 2004 pelo deputado Sandro Mabel (PMDB-GO)”, diz a economista Marilane Teixeira em entrevista à IHU On-Line. Segundo ela, as “as mudanças feitas até então foram performáticas, não alteram a essência do projeto. Quer dizer, a terceirização, na forma como está sendo proposta, se estende para a atividade ‘fim’ da empresa e admite a terceirização pelo conjunto das atividades da contratante”, esclarece em entrevista concedida por telefone.
De acordo com Marilane, não é possível aceitar uma regulamentação que permita a terceirização em atividades permanentes e necessárias na empresa. “Queremos uma regulamentação que proíba a terceirização da atividade ‘fim’ e que regulamente as atividades lícitas previstas em lei, ou seja, serviço de limpeza, conservação, vigilância”, afirma.
Marilene enfatiza que os argumentos favoráveis à terceirização mudam de acordo com a ocasião. Na década de 1990, lembra, “quando começou o debate da terceirização, o argumento do empresariado era de que o excesso de rigidez no mercado de trabalho não gerava postos de trabalho, e que a crise do desemprego tinha suas causas na rigidez”. Hoje, pontua, defendem o princípio da especialização, ou seja, “de que é necessário buscar, no mercado, empresas especializadas em determinada especialidade”.
Marilane Teixeira é formada em Economia pela Unisinos, mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Atualmente cursa doutorado em Economia Social na Universidade de Campinas – Unicamp e atua como assessora técnica da Confederação Nacional do Ramo Químico – CNQ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são os pontos mais polêmicos do Projeto de Lei 4330?
Marilane Teixeira - A proposta do PL 4330, que está na mesa de discussão, é uma proposta formulada a partir de contribuições da bancada do governo na comissão quadripartite, ou seja, a nova versão incorporada por Arthur Maia (PMDB-BA) trás várias proposições feitas pela bancada do governo. O problema é que mesmo nessa formulação final, que tem um parecer positivo do relator, ainda residem problemas fundamentais e essenciais do projeto original, elaborado em 2004 pelo deputado Sandro Mabel (PMDB-GO). As mudanças feitas até então foram performáticas, não alteram a essência. Quer dizer, a terceirização, na forma como está sendo proposta, se estende para a atividade “fim” da empresa e admite a terceirização pelo conjunto das atividades da contratante. Esse é um problema que permanece. O movimento sindical tem muito claro a compreensão de que não se pode trabalhar com uma regulamentação que permite a terceirização em atividades permanentes e necessárias na empresa, que são as atividades “fins”. Queremos uma regulamentação que proíba a terceirização da atividade “fim” e que regulamente as atividades lícitas previstas em lei, ou seja, serviço de limpeza, conservação, vigilância. Então, a regulamentação tem de regulamentar essas condições de trabalho exercidas como atividades “meio”.
Além disso, no projeto atual permanece o conceito de responsabilidade subsidiaria, então no caso da domadora de serviço não cumprir com os direitos trabalhistas e previdenciários, a domadora de serviços é subsidiariamente responsável. Para nós, a responsabilidade tem de ser solidária, porque na ausência de cumprimento dos direitos trabalhistas e previdenciários, as duas empresas, tanto a domadora quanto a empresa que está prestando serviço, serão ao mesmo tempo acionadas e responsabilizadas solidariamente. Essa responsabilidade solidária também se estende às situações de acidente de trabalho, saúde e segurança no trabalho.
Outro aspecto fundamental é a questão dos direitos iguais. Foram feitas pequenas alterações na nova redação do PL, as quais garantem ao trabalhador prestador de serviços direito à alimentação, serviço de transporte, atendimento médico ambulatorial, treinamento adequado, condições sanitárias e medidas de proteção. Mas o novo texto não faz referência a um elemento fundamental: a isonomia, ou seja, direitos iguais em relação ao salário. Não admitimos que o trabalhador preste serviço em uma empresa, que inclusive realize as mesmas atividades de um trabalhador efetivo, mas tenha condições de trabalho diferenciadas no que diz respeito ao salário.
Outro ponto polêmico diz respeito à representação sindical. Contudo, esse, de certa forma, aparece como sendo o grande avanço nessa nova redação, e tem sido com esse artigo das garantias trabalhistas que parte do movimento sindical está sendo assediado para dizer que um elemento importante está sendo contemplado com a nova redação. A nova redação diz o seguinte: quando a empresa contratada para prestar serviço pertence à mesma categoria econômica da contratante, a representação sindical caberá ao sindicato da categoria dos trabalhadores da contratante. Qual o problema dessa redação? Se uma empresa que presta serviço é da mesma categoria econômica, provavelmente há 99,9% de possibilidades que a representação sindical se dê pelo mesmo sindicato da categoria profissional. Quem pertence à mesma categoria econômica pertence à mesma categoria profissional. Então, o artigo 10 é inócuo, porque isso já está garantido. O que acontece é que 90% das empresas que prestam serviços não são da mesma categoria econômica da contratante. Nesse caso teria de ter outra clausula para beneficiar esses trabalhadores; uma clausula que indica que se a categoria econômica da empresa que presta serviço não for idêntica ou similar a da contratante, os sindicatos patronais não poderão se recusar à negociação coletiva suscitada conjuntamente pelos dois sindicatos. O problema é que nós nos deparamos com uma situação onde tem unicidade sindical em um quadro que o poder da negociação coletiva está muito determinado pela categoria que representa aqueles trabalhadores com base na categoria profissional. Essa é a base da sustentação da nossa legislação, a qual o movimento sindical tem levado mais de 30 anos para alterar. O problema é que quem tem legitimidade para negociar é a categoria profissional representada e, em uma diversidade do ponto de vista sindical, nós temos mais de uma dezena de centrais sindicais, e para os sindicatos, o poder da negociação é central. Então, dificilmente se consegue ter possibilidade de dois sindicatos de trabalhadores de distintas categorias profissionais sentar e suscitar conjuntamente esse processo de negociação, especialmente se a base desses sindicatos for ligado a centrais sindicais diferentes.
Além disso, se introduziu uma alteração que parece pequena, mas que pode representar mudanças relativamente grandes no projeto, que é a definição do que é uma empresa contratada. Na formulação anterior, a contratada era a empresa especializada, agora foi introduzido o conceito da pessoa jurídica especializada, ou seja, a pessoa jurídica especializada pode ser uma empresa de uma pessoa só, pode ser cooperativa, porque inclusive a motivação para substituir empresa especializada para pessoa jurídica foi justamente também contemplar as cooperativas. Permanece o conceito empresa especializada, porque a empresa especializada tem de provar qualificação técnica e capacidade econômica. Entretanto, do ponto de vista operacional isso é absolutamente inviável, porque como uma empresa controla capacidade econômica ou qualificação técnica? Não existem instrumentos que possam medir isso. E não existe, em nenhum momento, no projeto, uma formulação que indique ou sugira como isso pode ser feito.
Outro aspecto que foi incluído na nova redação do PL é que a contratada deve ter um objeto social único. Do ponto de vista da qualificação das atividades econômicas, toda empresa tem de ter um objeto social único, agora ela pode ter uma atividade principal, uma atividade secundária, e uma atividade de apoio dentro do seu contrato social. Então, essa ideia do projeto social único também é inócua nesse sentido.
As mudanças sugeridas, ou seja, as 18 sugestões que foram incorporadas ao PL, são absolutamente secundárias, e não mexem no essencial do projeto, porque ele ainda é precarizante.
No dia 21-08-2013 aconteceu uma reunião com as centrais sindicais e com o governo, e praticamente não houve avançou. O governo, além de ter ajudado nessa nova redação do PL, retirou as administrações públicas diretas do PL, e manteve as estatais. Há uma pressão muito grande, porque os setores empresariais são muito mobilizados, e há uma dificuldade de discutir essa pauta no Congresso. Estamos trabalhando para evitar a votação do PL, porque se o projeto for aprovado, será enviado para a Câmara, depois para o Senado, e depois tem o veto da presidente. Mas o ideal para nós é simplesmente conseguir com que esse projeto nem vá para a votação.
IHU On-Line - Entre os argumentos dos empresários favoráveis ao PL 4330, está o de que os custos do trabalho no país são altos e que é preciso flexibilizar as leis de proteção ao trabalhador. Como vê essa justificativa?
Marilane Teixeira - Essa é a pior justificativa. Eles poderiam falar de várias coisas. O princípio que eles defendem com a terceirização é o de que é necessário buscar, no mercado, empresas especializadas em determinada especialidade. Então, se os custos são elevados e precisa flexibilizar, como justifica a terceirização com base na especialização da empresa prestadora de serviços? Esse argumento é falso, porque eles recorrentemente têm dito que esse projeto não precariza e, sim, qualifica o trabalho, porque a contratada terá de ser uma empresa especializada. Se é uma especializada, portanto, tem uma qualidade de trabalho muito melhor, inclusive do ponto de vista salarial. Então, como isso pode ser usado para dizer que os custos de trabalho são altíssimos?
Na década de 1990, quando começou o debate da terceirização, o argumento do empresariado era de que o excesso de rigidez no mercado de trabalho não gerava postos de trabalho, e que a crise do desemprego tinha suas causas na rigidez. No início dos anos 1990, havia 10% de trabalho terceirizado, mas no final da década, havia 90% de trabalho terceirizado. O problema é que o salário reduziu pela metade, então, a medida foi de fato criada para precarizar. Outro aspecto importante é que não é o mercado de trabalho que gera emprego e, sim, a lógica do mercado econômico. A economia cresce, portanto gera emprego. Uma empresa não vai contratar mais se ela poder pagar menos, ela vai contratar mais porque ela precisa produzir e precisa dar conta da demanda. Então é claro que ela vai preferir contratar alguém com salários menores, mas ela só vai contratar se a economia estiver crescendo. Então, nessa última década que a economia cresceu e gerou quase 20 milhões de postos de trabalho, qual é o argumento? O argumento é que nós temos de modernizar, não é possível criar uma rede de trabalho articulado, moderno, que não seja através de serviços especializados. Esses são os argumentos utilizados.
Nós estamos em um período muito difícil, a única forma de conseguir barrar isso é com mobilização e organização dos trabalhadores. Felizmente nós temos muito apoio da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, da Associação Nacional dos Magistrados, de juízes, acadêmicos, que são favoráveis a um projeto que defenda realmente o trabalho.
IHU On-Line - Segundo dados do Dieese, estima-se que o Brasil tenha cerca de 10 milhões de terceirizados, o equivalente a 25% dos trabalhadores com carteira assinada no país. O que esse dado representa considerando o mercado formal?
Marilane Teixeira - Esse é um dado estimativo, que usamos desde 2010, certamente esse dado já mudou. A forma como acessamos os dados sobre a atividade econômica da categoria profissional hoje não nos permite muita clareza sobre isso, porque nem sempre conseguimos identificar as empresas que prestam serviço para outras.
Imaginamos que o percentual de terceirizados já é muito maior, algo em torno de 50% de trabalhadores ocupados. Os ocupados podem ser tanto os assalariados quando os sem carteira assinada, os que trabalham por conta própria. O percentual de trabalhadores por conta própria no Brasil é muito grande, e a possibilidade que entre esses trabalhadores uma parcela enorme seja prestador de serviço, é uma realidade. Então, não dá para dimensionar. O caso da Petrobrás é o mais gritante: para cada funcionário efetivo tem quatro terceiros.
A terceirização não avança mais por conta da súmula 331. Mas mesmo assim, há milhares de denúncias envolvendo terceirização em atividade “fim”. Muitas vezes o trabalhador só vai recorrer à Justiça quando perder o emprego. Por isso, consideramos a terceirização entre as práticas de precarização do trabalho. Argumenta-se que a terceirização é um trabalho formalizado, tem registro etc. De fato é, mas o problema é que eles executam a mesma atividade do trabalhador efetivo, ganhando salários muito menores. Nós fizemos um levantamento envolvendo os trabalhadores do setor do petróleo na área administrativa, e constatamos que para o mesmo nível de escolaridade e para fazer exatamente a mesma coisa, o trabalhador terceirizado recebia 30% em relação ao trabalhador efetivo. O efetivo ganhava mais de 4.000 reais e o terceirizado recebia 1.800 reais, sem falar dos direitos sociais, do ticket alimentação, convênio médico. Portanto, ter o trabalhador registrado não é suficiente.
IHU On-Line - Qual é a proposta das centrais sindicais ao PL 4330?
Marilane Teixeira – As centrais têm um projeto elaborado em 2009, o qual foi entregue ao Executivo, e está parado na Casa Civil. Esse projeto defende a proibição da terceirização em atividades permanentemente necessárias na empresa, tem uma proposta referente à questão da isonomia, dos direitos iguais, da responsabilidade solidaria e da prevalência do acordo da representação sindical. Esses são os elementos que estão na base de um PL que pretende regulamentar a terceirização.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Marilane Teixeira - Devemos ser mais duros com os deputados, porque publicamente quase nenhum deputado tem se manifestado em relação ao PL. Poucos têm se manifestado sobre isso, inclusive os do campo mais da esquerda.
Para barrar o PL é preciso ter maioria, mas a esquerda não é maioria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania - CCJ. Pode tentar ganhar aliados, mas só ganha aliados se sentirem que tem pressão social, sentirem que pode impactar na base eleitoral deles. A CUT disse que vai divulgar foto com os deputados que traíram os trabalhadores.
Além disso, deve-se salientar que caso o PL for aprovado, acaba o concurso público no país, porque as empresas que contratam através do concurso público, seja do setor elétrico, da Petrobrás, por exemplo, contratarão prestadores de serviço."

Fonte: IHU

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