"Uma novela de  intrigas baseadas em erros administrativos, contratos mal formulados com  fornecedores, liminares na Justiça, ações do Ministério Público,  esvaziamento financeiro e, inegavelmente, uma dose de incompetência. A  Dataprev, estatal de tecnologia da Previdência Social, conseguiu  transformar em uma verdadeira lenda seu processo de migração  tecnológica, um trabalho iniciado há mais de 11 anos e até hoje não  concluído.
Responsável por gerenciar as informações de todas as  aposentadorias do país, a estatal é cobrada desde 2001 pela  Controladoria-Geral da União para por fim ao que a CGU classificou como  "dependência crônica" em relação às máquinas e sistemas fornecidos pela  companhia americana Unisys. Há 38 anos, a Dataprev roda todas as  informações de benefícios, cadastros e operações gerais da Previdência  em três grandes computadores da Unisys - os chamados mainframes -  instalados em suas unidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Esse  relacionamento, que poderia sugerir a história de um acordo  bem-sucedido, acabou convertido pelo governo em uma série de acusações  ligadas à restrição tecnológica, engessamento na criação de novos  serviços e aumento sucessivo de custos atrelados à manutenção e à  constante ampliação da infraestrutura.
Em uma década, a Dataprev  testou vários caminhos para migrar seus sistemas para computadores  menores (a chamada plataforma baixa) e baseados em sistemas de código  aberto, um tipo de software que pode ser livremente manipulado pelo  usuário. O cenário indicado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no  entanto, é que a estatal pouco caminhou. Uma varredura recente feita  pelos auditores do órgão de fiscalização aponta "a permanência da  dependência tecnológica" em relação aos mainframes e a "precariedade da  gerência de mudanças nos sistemas" por parte da Dataprev. O tribunal  também faz um alerta à estatal sobre o "número insignificante de  aplicações implantadas até a presente data, que sejam independentes do  funcionamento dos mainframes", além da "inexistência de indicadores de  produtividade dos projetos de migração", entre outras falhas.
A  Secretaria Federal de Controle Interno da CGU também assume uma postura  crítica sobre o assunto. Em levantamento feito a pedido do Valor, a CGU  informou que uma análise realizada no fim do ano passado apontou  "atrasos significativos" no desenvolvimento dos módulos do Cadastro  Nacional de Informações Sociais (CNIS). "Além disso, a demanda do INSS  de recursos humanos da Dataprev para apoio à realização das capacitações  do INSS contribuiu para o não cumprimento das metas acordadas",  informou a CGU.
Boa parte das reclamações feitas pelos órgãos de  controle está ligada ao modelo de negócio firmado com a Unisys. Apesar  de usar a tecnologia da empresa há quase 40 anos, a Dataprev nunca foi  dona dos equipamentos. A relação sempre foi de locação, com pagamentos  que, até 2010, chegavam a R$ 3,6 milhões por mês. "Realmente era um  contrato muito caro e que ainda tinha restrições de utilização para os  mainframes", diz Rodrigo Assumpção, que assumiu a presidência da  Dataprev em 2008.
Assumpção tomou uma decisão curiosa: para romper  a dependência, decidiu comprar os equipamentos da Unisys e fechar um  contrato de caráter perpétuo para as licenças de software. A fatura,  incluindo serviços de manutenção, foi fechada em R$ 72 milhões. A  decisão, segundo Assumpção, foi a mais correta. Esse gasto, baseado  naquilo a Dataprev desembolsava mensalmente, já se pagou no início deste  ano, com a diferença de que, agora, a estatal é dona dos equipamentos. O  custo mensal para manter a infraestrutura operando caiu para R$ 700  mil. "A pressão econômica, a necessidade de reajustes contratuais com a  Unisys, a chantagem anual dessa negociação e a expectativa de  crescimento descontrolado, nada mais disso existe", diz Assumpção.
Com  o processo de migração de sistemas já iniciado e o aumento gradativo de  máquinas de pequeno porte dentro da Unisys, Assumpção afirma que já  começou a haver um desafogamento no uso dos mainframes. O descarte total  dessa tecnologia, no entanto, só deverá ocorrer daqui a dois anos.
A  estatal, que hoje soma 3,5 mil funcionários, também passou a  desenvolver internamente seus próprios sistemas. A ideia é depender  menos de contratação de empresas terceirizadas. O passado justifica esse  esforço. Em 2003, a Dataprev contratou a Cobra Tecnologia, empresa do  Banco do Brasil, para fazer a migração dos sistemas. Só que a Cobra  acabou subcontratando a Unisys para prestar o serviço. O Ministério  Público achou um punhado de irregularidades, paralisou tudo e o contrato  foi rompido. Em 2007, foi a vez do contrato com o consórcio InfoPrev -  formado pelas empresas Tata, DBA, Policentro e MSA-Infor - ir para o  vinagre, depois de apontamentos feitos pelo TCU. "Era um contrato de  desenvolvimento, que acabou se revelando em algo muito mais complicado  do que se previa. Enfim, eles não fizeram nada, não receberam nada e o  contrato foi cancelado", diz Assumpção.
Finalmente em 2010, foi  fechado acordo com mais um consórcio, dessa vez formado pelas empresas  Bricon, 4Bears e SW. "Esse contrato está trazendo um resultado muito  abaixo do que esperávamos. Há atrasos realmente muito significativos e  de grande impacto no cronograma, mas isso é da natureza do processo",  justifica o presidente da Dataprev.
Para a Unisys, a versão de  "dependência tecnológica" nutrida pelos órgãos de controle e pela  Dataprev não condiz com a realidade. "A Dataprev tem sistemas  extremamente críticos e que não podem parar. É um caso de sucesso para  nós. Você nunca ouviu falar de uma falta de pagamento de aposentadoria  por algum tipo de pane de sistema, ou um ataque de hackers a bases de  dados da Dataprev", diz Daniele Ribeiro, vice-presidente da Unisys no  Brasil. "Não se trata de uma questão de dependência tecnológica. Temos  aplicações que funcionam numa plataforma segura e confiável. Sempre  tivemos uma relação de parceria com a Dataprev. É o que buscamos com  qualquer cliente."
Demonizar os mainframes, de fato, não condiz  com a realidade dos maiores bancos públicos e privados do país, que  utilizam há décadas esses computadores, sem qualquer tipo de restrição à  inovação tecnológica.
A CGU informou que vai realizar uma nova  auditoria operacional na Dataprev até junho. O TCU determinou que a  estatal encaminhe, em seu próximo relatório trimestral, um relatório  detalhado da migração já realizada."
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