segunda-feira, 7 de abril de 2014

A advocacia nos anos de chumbo (Fonte: Carta Capital)

"“Sou como a soca da cana, me cortem que eu nasço sempre”
A principal lembrança que tenho da minha prisão em 1973 foi, depois de chegar ao DOI-CODI, local de tortura e assassinatos de militantes políticos, e sofrer sevícias nas mãos de meus captores, escutar os gritos de alegria dos carcereiros e torturadores assim se expressando:
“Pegamos esse filho da puta que solta seus amigos terroristas...pegamos esse filho da puta....”
Comecei minha carreira como estudante no Colégio Bandeirantes, onde fui presidente do Centro Estudantil. A seguir, fui eleito presidente dos Centros Acadêmicos, Cásper Líbero (Jornalismo) e 22 de Agosto da Faculdade de  Direito da PUC-SP. Exerci também a presidência da União Nacional dos Estudantes em 1957. Entre 1957 e 1964, o Brasil vivia um relativo espaço de democracia. Por discordarem das medidas sociais, econômicas e políticas do presidente eleito João Goulart, um grupo de militares de extrema direita se pronunciou pela proibição do direito de reunião, da liberdade de expressão, coibindo  o habeas corpus, colocando o Congresso de joelhos e iniciando um feroz procedimento de cassações e perseguições que se intensificou a partir de outubro de 1968, quando foi desarticulado o Congresso da UNE que se realizava na cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo.
A partir daí meu trabalho se fixou quase que unicamente na defesa de estudantes, operários, camponeses e intelectuais que se opunham à ditadura em vigor.
Tenho certeza que as atividades dos poucos causídicos que se dedicavam a esse mister evitaram muitas torturas e assassinatos. Devido a esse trabalho fui detido por três meses e processado perante a segunda Auditoria de Guerra de São Paulo. Esse processo resultou na minha absolvição pelo Superior Tribunal Militar em Brasília.
Apoiado na Constituição de 1988 consegui o primeiro habeas data obrigando o governo do Brasil a fornecer informes, a meu respeito, constantes em seus arquivos no período de 1950 a 1990. Nessa mesma época consegui perante o Supremo Tribunal Federal um mandado de segurança em favor do teatrólogo Augusto Boal, que se encontrava exilado em Buenos Aires,  obrigando o Executivo Federal a expedir seu passaporte. Devido a essa medida judicial impetramos aproximadamente 200 mandados de segurança favorecendo cidadãos brasileiros aos quais a ditadura não fornecia diploma legal para que pudessem ir e vir. Somados esse total de perseguidos aos estudantes detidos em Ibiúna e a casos de processados pelo regime arbitrário podemos afirmar que pelo nosso escritório passaram mais 1,1 mil concidadãos.
Uma segunda e triste recordação se refere a uma tarde quando pude assistir, através de uma fresta na porta da cela, uma alegre reunião de torturadores apostando quem acertaria em primeiro lugar uma escarrada num dos pardais que esvoaçavam pelo pátio cinzento da delegacia policial, na rua Tutóia onde se localizavam os calabouços do DOI-CODI de São Paulo.  Esses dois episódios me marcaram indelevelmente, sendo que o segundo forneceu o titulo de um livro de memórias denominado "O Pardal Escarrado.”
Com relação ao teatro levantamos que 734 textos foram proibidos e 369 sofreram cortes que os mutilaram profundamente. Desse total de peças censuradas são de minha autoria, a saber: O Evangelho Segundo Zebedeu, O Transplante, Rei Momo, Um Uísque para o Rei Saul, Bumba Meu Queixada e Morte aos Brancos.
A labuta dos advogados que defenderam perseguidos políticos durante os cinzentos anos de chumbo da ditadura deve ser lembrada para que com base em erros e acertos se possa caminhar para uma pátria de liberdade e justiça social.
Idibal Pivetta foi durante 20 anos advogado de perseguidos políticos. Presidiu a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, adotou o nome artístico de Cesar Vieira para escapar da censura que proibia, sem examinar, seus textos teatrais devido a sua atuação como advogado. Atualmente é diretor do Teatro Popular União e Olho Vivo e membro da Comissão da Verdade da OAB-SP. Esteve detido por 3 meses no DOI-CODI, DEOPS e Presídio do Hipódromo, na Mooca, bairro da zona na Capital de São Paulo. Seu relato é parte de uma série de artigos para o especial Ecos da Ditadura, sobre os 50 anos do golpe militar."

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