quarta-feira, 2 de outubro de 2013

'A proteção do trabalhador deve estar focada na preservação da saúde e na redução de riscos', afirma ministro do TST (Fonte: TRT 4ª Região)

"O “Seminário Acidentes, Trabalho e Saúde no Século XXI” foi realizado em parceria entre a Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e o Núcleo Regional do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, na última sexta-feira (27/9). A programação do evento incluiu palestras do ministro do Tribunal Superior do Trabalho Cláudio Mascarenhas Brandão e do sociólogo Giovanni Alves.
Em sua palestra, o ministro do TST propôs um novo olhar sobre o tema. Afirmou que o trabalho não pode mais ser fator de adoecimento permanente ou de mortandade, e que o objetivo maior dos debates deve ser a prevenção. Citou a redução dos riscos como o mais importante direito assegurado aos trabalhadores pela Constituição Federal. Para o ministro, um dos problemas com relação ao assunto é o foco das discussões: o viés não deve ser reparatório, e sim preventivo. 
A exposição de Cláudio Brandão foi dividida em três partes. Na primeira, questionou se a Justiça do Trabalho está lidando da forma adequada com as competências que recebeu a partir da Emenda Constitucional 45, de 2004. Ressaltou que o paradigma para a competência da Justiça do Trabalho nas ações decorrentes de acidente de trabalho surgiu em 1998, em uma decisão do ministro Sepúlveda Pertence. Neste acórdão, o ministro afirmou que não é o direito material aplicável que determina a competência, mas sim a relação jurídica de onde ela é oriunda.
Cláudio Brandão ressaltou que, apesar da primeira decisão, seguiu-se a discussão a respeito da competência em várias situações. Um exemplo é o caso de demandas propostas por dependentes de empregado, cuja competência só foi confirmada pelo STF em 2007. O magistrado destacou ao longo da exposição outras situações em que entende que a competência é da Justiça do Trabalho, como a ação proposta por um terceiro que socorre o empregado durante o acidente e quer ter seus gastos ressarcidos pela empresa. 
Durante a palestra, o ministro listou exemplos de posicionamentos que considera equivocados em decisões sobre o tema. Criticou a ideia de que o dano moral reparável deve decorrer necessariamente de um ato ilícito. O acidente de trabalho foi apontado como o maior exemplo de dano reparável que pode ocorrer em um ambiente plenamente lícito, mesmo que não haja violação a normas: “A lei determina a reparação. O paradigma do sistema jurídico é a proteção ao homem, e não aos bens materiais que estão em torno dele”. Criticou também a tese de prescrição, que parte da ideia de que o fato gerador em matéria acidentária surge com a emissão do CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho): “A pretensão pode surgir anos depois do acidente, quando determinada doença se manifestar. E obviamente o mais importante nesse aspecto é o elemento causal”. 
Na segunda parte da palestra, o ministro abordou o que chama de “consolidação de novas teses”. Um dos pontos considerados polêmicos se refere ao reconhecimento da responsabilidade objetiva do empregador em acidentes do trabalho. Tal responsabilidade pode ser afirmada com a aplicação do Código Civil (art 927, parágrafo único). No entanto, surgem divergências quanto à interpretação do art 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, que parece limitar o seguro contra acidente de trabalho a casos de dolo ou culpa. “Mas o artigo 7º não impõem um rol taxativo, tanto que expressa em seu caput, além dos direitos listados, a possibilidade de outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador”, explicou o ministro. A possibilidade de aplicação do Código Civil neste assunto será tema de decisão do STF. 
A parte final da exposição do ministro foi dedicada a ressaltar a necessidade de efetividade na proteção ao trabalhador, que deve ter enfoque em dois pilares: a preservação da saúde e a redução de riscos.  Destacou que é necessário combater a ideia de que a sentença é uma simples promessa vazia e defendeu a aplicação de medidas mais eficazes do que o simples pagamento em dinheiro. “O artigo 461 do CPC tem a norma mais importante do sistema processual brasileiro. Ela diz que o juiz pode, de ofício, conceder qualquer tutela que objetive alcançar o resultado prático que se buscou na demanda”. Como exemplo de um absurdo que deve ter fim, citou a ideia de hora extra habitual, apontada como uma contradição em si mesma: “Se determinada empresa tem habitualmente hora extra, com índices elevados de acidente de trabalho, por que não determinar a suspensão do trabalho extraordinário?”. Segundo o ministro, a lei garante que o magistrado pode tomar esse tipo de atitude de modo espontâneo, mesmo sem haver o pedido. 
No encerramento da palestra, Cládio Brandão questionou se é uma utopia acreditar na atuação do magistrado como protagonista, sujeito ativo na proteção ao trabalhador. Citou uma passagem do escritor uruguaio Eduardo Galeano, questionando o papel da utopia, já que quanto mais se avança em sua direção mais ela parece se afastar. “A utopia serve para que eu não pare de caminhar. Se pretendia deixá-los com inquietações, deixo apenas uma: não paremos de caminhar. Busquemos alcançar o Direito enquanto agente de transformação social”, concluiu. 
As novas dimensões da precarização do trabalho
Em sua palestra, o sociólogo Giovanni Alves desenvolveu temas abordados em seu livro “Dimensões da Precarização do Trabalho”. Destacou que a precarização do trabalho hoje não se refere apenas ao salário. Suas dimensões são mais amplas, e dizem respeito a uma precarização das condições de existência. A forma atual de organização de trabalho, baseada no espírito do Toyotismo, faz com que o tempo de vida do trabalhador seja cada vez mais invadido. O novo território da exploração não é apenas a força de trabalho, como mercadoria, mas a própria subjetividade.  
O sociólogo apontou que os índices sobre adoecimentos no trabalho são incompletos. Existe um acompanhamento dos acidentes, a partir das notificações. No entanto, o sociólogo chamou a atenção para adoecimentos que ainda não são amplamente registrados, como os transtornos psicológicos. Afirmou que não existe ainda uma metodologia capaz de dar visibilidade de forma plena a esses sintomas, e os registros que temos nessa área são apenas a ponta do iceberg: “Estou falando de doenças no trabalho que hoje, por conta desse perfil de reestruturação produtiva do capital, que se caracteriza pela captura da subjetividade, são adoecimentos invisíveis”.
Segundo Giovanni Alves, vivemos numa sociedade que estigmatiza o sofrimento psíquico. Muitas vezes quem sofre prefere não dar visibilidade e acaba recorrendo à drogadição, aos remédios “tarja preta”. O estigma é social e empresarial, porque o trabalhador com depressão é visto como um custo e não é reconhecido como portador de doença: “Nas entrevistas que fiz, notei que mesmo no ambiente familiar a doença é posta em dúvida, acham que o trabalhador está fazendo corpo mole. Vivemos no país do ‘vai trabalhar, vagabundo’”. 
Na nova dimensão da precarização do trabalho, a questão da saúde entra como elemento incisivo do desmonte da pessoa humana. Giovanni Alves elencou dois pontos que determinam essa precarização. O primeiro é a crise de investimentos produtivos, que atinge todos os países. Essa crise leva ao foco no aumento de lucratividade, com redução de custos e pressões para a flexibilização dos direitos trabalhistas. O segundo ponto é a nova forma de produção do capital: a maquinofatura, a gestão do trabalho com base na tecnologia informacional. “A rede (internet) é invasiva, sai do trabalho para a vida pessoal de forma muito fácil” denuncia o sociólogo. O tempo do trabalhador acaba sendo colonizado pela lógica de produção, sendo que hoje todos somos produtores full-time. É um processo subjetivo, que faz com que as pessoas consintam com a invasão. Isso mostra a perversidade do sistema: “Você se sente gratificado por algo que lhe desefetiva enquanto pessoa humana. A pessoa renuncia ao direito, ao tempo de vida, e ainda assim sente o gozo, não percebe a invasão”. 
Giovanni Alves enfatizou, ao final de sua palestra, que se faz necessária uma intervenção contra a perversidade do sistema. Ela deve ser jurídica, política e cidadã, para que primeiro se explique à sociedade o que está acontecendo e ela tenha uma percepção lúcida da realidade. A gravidade da situação atual requer soluções: “Se o trabalhador está adoecendo, precisa tomar drogas para dormir, buscar próteses químicas, é porque já está à beira da incapacidade de dar uma resposta humana aos desafios desse tempo histórico”, concluiu."

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