sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

“Chacina de Unaí à espera da Justiça” (Fonte: Correio Braziliense)

Autor(es): Alessandra Mello


"Há exatos sete anos, três fiscais do trabalho e um motorista eram assassinados brutalmente, em um crime que chocou o país. Mandantes e executores ainda não foram julgados. Manifestação, hoje, vai exigir uma data para o júri.

Helba Soares da Silva, 47 anos, perdeu o marido, o auditor fiscal do trabalho, Nelson José da Silva, de forma brutal. Vítima de um crime de destaque internacional, Nelson e outros dois auditores, Eratóstenes de Almeida Gonçalves e João Batista Soares Lage, além do motorista Ailton Pereira de Oliveira, foram tocaiados em uma estrada rural de Unaí, a 153km de Brasília, e fuzilados, em plena luz do dia. Apesar da repercussão, a Chacina de Unaí, como o caso ficou conhecido nacionalmente, até hoje não foi julgada em nenhuma instância. E o crime completa hoje sete anos.

“Estou esperançosa que finalmente este ano os acusados sejam julgados. Durante todos esses anos eles tiveram acesso à mais ampla defesa, ao contrário do que aconteceu com meu marido, que foi assassinado brutalmente, de forme fria e cruel, sem nenhuma chance de se defender”, afirma a comerciante Helba. Até hoje a viúva de Nelson mora em Unaí e, de vez em quando, tem de se encontrar com o principal acusado da chacina, o prefeito reeleito da cidade, Antério Mânica (PSDB). Considerado um dos maiores produtores de feijão do país, o prefeito e seu irmão, Norberto Mânica, também fazendeiro, eram alvos freqüentes de fiscalizações para coibir exploração de trabalhadores rurais, a maioria delas realizadas por Nelson.

“Logo após o crime, minha família quis que eu me mudasse da cidade, temendo represálias, mas recusei. Não ia sair fugida, abandonar minha casa e a minha vida. Não fiz nada de errado. Ao contrário, fui uma das principais vítimas de um crime horrível”, afirma Helba. Nos primeiros anos, ela conta que sempre que se encontrava com Antério fazia um escândalo. “Xingava mesmo, partia para cima, brigava. Agora, isso não acontece mais, pois ele não vai nos locais onde sabe que pode me encontrar”, relata Helba, que participa hoje, em Belo Horizonte, de uma manifestação em frente ao prédio da Justiça Federal para exigir a marcação do julgamento.

Segundo a viúva, no início do processo, quando começaram os sucessivos adiamentos em função dos recursos, a família ficou muito apreensiva. “Mas a demora teve um lado bom, que acabou ajudando o processo, pois conseguimos novas provas e testemunhas que reforçam a tese da acusação. Mas já passou da hora de o julgamento acontecer.” A reportagem não conseguiu localizar o prefeito de Unaí para falar sobre o assunto.

Em dezembro, segundo a presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosangela Rassy, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) apreciou os últimos dos recursos impetrados pelos acusados para tentar impedir que o processo seja analisado pela Justiça Federal na capital mineira. “Todas as nossas expectativas são positivas no sentido de que o julgamento aconteça este ano. Durante sete anos trabalhamos para que esse julgamento fosse realizado, mas os réus se locupletaram da estrutura da Justiça brasileira, que permite diversos recursos, para tentar adiar o julgamento. Mas, como todos os recursos já foram julgados e negados, queremos que o júri aconteça o mais rápido possível, pois se trata de um crime de homicídio.”

Durante cinco anos, a defesa dos acusados entrou com dezenas de recursos na Justiça Federal, Supremo Tribunal Federal (STF) e STJ para tentar transferir o julgamento para Patos de Minas. O evento de hoje vai pedir que o julgamento dos nove acusados seja marcado com urgência, já que todos os recursos dos réus foram apreciados e negados em instâncias superiores. Cinco mil balões brancos serão liberados durante o ato, que comemora também o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, instituído na mesma data da chacina, como forma de homenagem aos fiscais assassinados.


Os acusados

» Antério Mânica (PSDB)
Prefeito reeleito de Unaí e um dos maiores produtores de feijão do país era um dos alvos da fiscalização do Ministério do Trabalho. Foi acusado de ser um dos mandantes da chacina

Acusação: Homicídio triplamente qualificado e frustração fraudulenta de direitos assegurados na legislação trabalhista

» Norberto Mânica
Fazendeiro, irmão de Antério, também alvo de fiscalizações por parte dos auditores

» Hugo Alves Pimenta
Empresário cerealista é acusado de ser mandante das execuções dos auditores e do motorista

» José Alberto de Castro

» Francisco Elder Pinheiro

» Erinaldo de Vasconcelos Silva

» Rogério Alan Rocha Rios

» Willian Gomes de Miranda

Acusação: Homicídio triplamente qualificado e formação de quadrilha

» Humberto Ribeiro dos Santos

Acusação: Formação de quadrilha e favorecimento pessoal (os crimes estão prescritos)


Principais capítulos

2004

» 28 de janeiro — Quatro funcionários do Ministério do Trabalho — os auditores fiscais Nelson José da Silva, João Batista Lages, Erastótenes de Almeida Gonçalves e o motorista Ailton Pereira de Oliveira — são assassinados, em uma emboscada, quando se dirigiam para uma fiscalização em fazendas em Unaí.

» 26 de julho — O crime é desvendado e sete pessoas são presas.

» 30 de agosto — O Ministério Público Federal oferece denúncia contra o fazendeiro Norberto Mânica, Hugo Alves Pimenta, José Alberto de Castro, Francisco Elder Pinheiro, Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios, Willian Gomes de Miranda e Humberto Ribeiro dos Santos por participação no crime. A investigação é mantida para apurar a participação de outros suspeitos.

» 31 de agosto — O juiz da 9ª Vara da Justiça Federal, Francisco de Assis Betti, à época em Belo Horizonte, recebe a denúncia do Ministério Público e marca interrogatório dos réus.

» 20 de setembro — O MPF inclui um novo réu na denúncia como mandante dos crimes, Antério Mânica, o irmão de Norberto, à época prefeito, que foi reeleito. Juiz recebe o aditamento.

» 10 de dezembro — O juiz Assis Betti dá a sentença de pronúncia e determina o julgamento de todos os réus pelo Tribunal do Júri. Um dos réus, eleito prefeito de Unaí em outubro daquele ano, mas que ainda não havia sido diplomado, também é mandado a júri. Após a diplomação, o processo é desmembrado. Como prefeito, Antério tem foro privilegiado e o processo é remetido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O processo original, porém, continua tramitando na primeira instância com relação aos demais réus.

2006

» 9 de junho — Hugo Alves Pimenta, que se encontrava em liberdade, é novamente preso porque tentava comprar o silêncio dos pistoleiros.

» 17 de julho — Norberto Mânica é preso porque tentava obstruir as investigações por meio de compra de testemunhas.

» 28 de novembro — O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concede habeas corpus a Norberto Mânica e ele é solto.

» 19 de dezembro — O TRF nega pedido de Norberto Mânica para que o julgamento acontecesse em Patos de Minas, mantendo a competência do julgamento com a 9ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte.

2008

» 28 de janeiro — No dia em que a chacina completa quatro anos, o TRF publica decisão inadmitindo os recursos especial e extraordinário. O processo contra Antério Mânica é suspenso até que todos os acusados pela execução do crime sejam julgados.

» 1º a 6 de fevereiro — Os réus Norberto Mânica, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro entram com agravo de instrumento no STJ contra a decisão do TRF da 1ª Região, que negou seguimento aos recursos especial e extraordinário.

» 13 de junho — Publicada decisão do ministro Napoleão Nunes Maia, do STJ, negando provimento ao agravo de Norberto Mânica.

» 20 de junho — Norberto Mânica interpõe agravo regimental contra essa decisão do STJ (que negou provimento ao seu agravo de instrumento).

» 5 de agosto — Publicada decisão do ministro Napoleão Nunes Maia, do STJ, negando provimento ao agravo de Hugo Alves Pimenta.

» 26 de agosto — Hugo Alves Pimenta interpõe agravo regimental contra essa decisão do STJ (que negou provimento ao seu agravo de instrumento).

2009

» 17 de março — O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator, nega provimento ao agravo regimental interposto por Norberto Mânica. O ministro Felix Fischer pede vista dos autos.

» 23 de junho — A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve decisão da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha que arquivou um recurso (agravo de instrumento) interposto por Noberto Mânica. A turma negou, por unanimidade, agravo regimental interposto contra ato da relatora.

» 29 de agosto — O ministro Jorge Mussi, do STJ, dá provimento ao recurso de agravo de instrumento interposto por José Alberto de Castro e determina a subida do recurso especial que não havia sido conhecido pelo TRF da 1ª Região.

» 10 de dezembro — Mussi dá provimento ao recurso de agravo regimental interposto por Hugo Alves Pimenta e determina a subida do recurso especial que não havia sido conhecido pelo TRF da 1ª Região.

2010

» 16 de dezembro — O STJ nega provimento aos recursos especiais interpostos por Hugo Alves Pimenta e por José Alberto de Castro.

2011

» 28 de janeiro — A Chacina de Unaí completa 7 anos. Em virtude dos diversos recursos interpostos pelos advogados dos réus, sobretudo dos mandantes, os autos do processo ainda não retornaram à 9ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte para julgamento pelo Tribunal do Júri. Atualmente, apenas os executores do quádruplo homicídio estão presos. Com mais uma derrota, a esperança das famílias é que o julgamento em primeira instância finalmente aconteça."

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